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JANEIRO/FEVEREIRO 2010

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Paulo Saldiva

entrevista

O que COP 15 debateu do ponto de

vista da saúde?

Saldiva –

Infelizmente, a saúde

continua sendo a parte fraca da

discussão. A Conferência versou sobre

a mitigação, abatimento e quanto serão

as reduções de cada país, mas nada

foi colocado em termos de adaptação.

Ou seja, os eventos adversos que

estão previstos para acontecer. Aliás,

é provável que muito do que estamos

vendo agora corresponda a mudanças

que estão acontecendo no clima. Qual

o valor do recurso destinado aos

sistemas de saúde para adaptarem-

se a isso? Quanto foi investido em

vigilância para catástrofe? Qual o

montante empregado pelos sistemas

de saúde das regiões que serão mais

acometidas para enfrentarem os

desafios? Acredito que essa discussão

não foi feita.

O que é possível fazer agora?

Saldiva –

Não foram fechados grandes

acordos em Copenhague. Há espaço

para que continuemos lutando. Agora,

a bola está com os médicos. Se eles e os

profissionais de saúde não se posiciona-

rem de forma muito clara, esse assunto

não aparecerá. Temos que manter essa

posição de liderar. A AMB está tendo

um papel extremamente importante

e vigoroso ante ao que ocorrerá nos

próximos anos em termos de saúde e

meio ambiente. Não conheço nenhum

país abaixo da linha do Equador que

esteja fazendo o mesmo que nós. São

Paulo está em uma posição muito favo-

rável porque o secretário municipal do

Além de estudar as complicações cardiovasculares provocadas pela

poluição atmosférica, o médico e professor Paulo Saldiva coordena

o Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade

de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). É membro do

Comitê Científico Harvard/EPA para o estudo dos efeitos do material

particulado atmosférico e também do comitê da Organização

Mundial da Saúde que definiu os novos padrões de qualidade

do ar. Foi um dos principais incentivadores para a realização da

Conferência Doutores do Ambiente. Ele concedeu a seguinte

entrevista ao JAMB.

Verde e Meio Ambiente, Eduardo Jorge,

é médico e foi da saúde. É o único lugar

que, por uma circunstância pessoal,

mas não estrutural, pode ser feita a

ligação entre saúde e meio ambiente

de uma forma mais evidente. Por isso,

São Paulo assumiu compromissos

importantes e antecipados de redução

de gases do efeito estufa e poluen-

tes atmosféricos. Há um caminho a

percorrer, mas demos o primeiro passo.

O importante é manter a caminhada

acelerada para que o setor ambiental

incorpore a saúde humana como um

fator importante da sua política.

Como os médicos podem trazer

esse tema para o cotidiano?

Saldiva –

A primeira ação é debater

com pacientes e fazê-los incorporar

hábitos saudáveis de sustentabilidade

ambiental como instrumento da saúde.

Do ponto de vista prático, o médico

pode dizer que caminhar mais, ou

seja, usar menos o carro, reduzir o

consumo de carnes e laticínios farão

com que o paciente perca peso e ganhe

saúde. O efeito é quase imediato. Não

precisa esperar 30 anos e baixar o

metano na atmosfera para ver algum

benefício. Segundo, liderar a mudança

pelo exemplo tanto do ponto de vista

institucional quanto pessoal. Os médi-

cos, hospitais, serviços de saúde deve-

riam iniciar campanha de redução.

Os hospitais deveriam ser modelos de

sustentabilidade com uso de energias

alternativas, painéis solares e reuti-

lização de água. Lamento dizer, mas

na Universidade de São Paulo, onde

trabalho, não temos isso. Produzimos

ciência e dizemos que faz mal, porém

não tomamos atitude. A terceira linha

de ação é propor parcerias com autori-

dades locais. No meu entender, todos

os profissionais de saúde deveriam ser

educados com essa nova visão.

A Declaração de Delhi já apresenta

resultados práticos?

Saldiva –

Ainda não, mas a defasa-

gem é esperada. Acho que a AMB e as

Sociedades de Especialidade deveriam

colocar esse tema nos congressos.

Dessa forma, o documento poderia ser

multiplicado, transformando em ações

práticas de maneira que chegue até o

consultório. Ou seja, saia de uma carta

e se transforme em algo concreto. Esse

é o grande desafio para 2010.

Quais são as perspectivas abertas

pela Declaração?

Saldiva –

O texto reconhece que as

relações entre saúde e meio ambien-

te constituem o maior desafio desse

século para os profissionais de saúde.

Temas como poluição, contaminação,

disponibilidade de água são problemas

centrais. Não existe remédio ou vacina

e nem pode ser tratado em bases indi-

viduais. O documento também coloca

que as mudanças climáticas terão mais

impacto entre o grupo que menos

contribuiu para as alterações. As

implicações éticas decorrentes dessa

desigualdade não podem ser aceitas

pelos médicos.