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2015; 61(4):291-292
Como explicar a grande disparidade entre os resulta-
dos de estudos observacionais (em que há clara relação
entre baixos níveis de vitamina D e o evento estudado) e
os dos estudos intervencionistas (suplementação de vita-
mina D não reduz o evento estudado)?
5-8
Para os crédulos, a justificativa é que nas metanálises
foram reunidos trabalhos com suplementação de vitami-
na D com várias doses e duração. Acreditam que tería-
mos que dar doses altas por longo tempo para se conse-
guir o efeito. Para os céticos, trata-se de viés de causa
reversa, ou seja, os pacientes estão doentes e por isso têm
níveis baixos de vitamina D, e não o contrário, a vitami-
na D baixa não é a causa do evento estudado.
A dosagem de vitamina D tempera essa discussão: se
a probabilidade pré-teste de ela vir baixa é altíssima, por
que dosar? Sabe-se que 70% da população norte-america-
na tem níveis abaixo do normal.
Para a Sociedade Americana de Endocrinologistas,
devemos dosá-la “apenas” em grupos de risco: uso crôni-
co de medicações (anticonvulsivantes, corticosteroides,
antirretrovirais e antifúngicos), gestantes e lactentes, afro-
-americanos e hispânicos, obesos e idosos com história de
quedas e fraturas não traumáticas, osteoporose, doenças
mal-absortivas e doenças granulomatosas. Recomenda
ainda a dosagem para raquíticos, nefropatas crônicos e
hepatopatas.
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Ou seja, boa parte da população.
Para a United States Preventive Service Task Force
(USPSTF), uma das principais orientadoras para a pro-
moção da saúde, a suplementação ajudaria a evitar que-
das em idosos, e isso deve ser feito indiscriminadamente,
sem a dosagem sérica.
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O que fazer quando os níveis estão abaixo do normal
também é controverso.
Em primeiro lugar, os valores de corte para a concen-
tração sérica de 25(OH)D3 não foram estabelecidos em
relação à incidência ou à prevalência de problemas de
saúde em grupos populacionais. Eles foram calculados
a partir da simples correlação com as concentrações de
paratormônio (PTH) sérico. Em outras palavras, níveis
de 25(OH)D3 abaixo de 20 ng/mL (divisor entre insufi-
ciência e deficiência de vitamina D, conforme a maioria
dos critérios adotados)
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desencadeiam a elevação dos
níveis de PTH acima do estabelecido como normal (des-
fecho intermediário), mas não representam, necessaria-
mente, maiores riscos de aparecimento de doenças não
ósseas (desfecho final). Soma-se a isso a grande variação
durante estações do ano e em relação à latitude em que
se encontra a população estudada. Assim, fica muito di-
fícil saber qual é o valor normal de vitamina D3. A per-
gunta é: valores normais quando e onde?
Assim, a tendência natural, mas não necessariamen-
te correta, é corrigir um nível alterado, o que acarretaria
um tratamento excessivo.
Emmeio a esse cenário tão apaixonante, alguns cami-
nhos podem ser traçados. Não são mais necessários traba-
lhos observacionais, e sim um grande estudo prospectivo,
dosando vitamina D3/PTH antes do desfecho, corrigindo
os níveis de vitamina D3/PTH e reavaliando o desfecho.
Para o manejo de um paciente, não adianta dosar vita-
mina D3 se a intenção é a de suplementá-la. Use-a em do-
ses razoáveis, não mais que 2 mil UI/dia, sempre tendo em
mente as implicações de se industrializar o banho de sol.
R
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