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MARÇO/ABRIL 2010
entrevista
Raul
Cutait
Como surgiu a ideia do Projeto
Diretrizes?
Raul Cutait -
Quando Eleuses Paiva
assumiu a presidência da AMB, em
1999, fui convidado para fazer parte
da diretoria. Recusei, pois queria
fazer um projeto de padronização
de condutas médicas. Estavam
começando a sair alguns guidelines
nos Estados Unidos feitos por
grupos de médicos ou instituições
universitárias. Com a minha vivência
na USP aprendi que é muito difícil
uma universidade adotar o que a
outra instituição fala. Então, pensei
que as padronizações de conduta
deveriam ser escritas pelas Sociedades
de Especialidade, pois elas têm o crivo
institucional que abrange todos os
especialistas. Paiva propôs que o CFM
também participasse desse projeto,
pois as duas instituições estavam se
aproximando naquele momento. A
ideia era que cada Sociedade definisse
aquilo que deveria ser feito para
situações mais comuns dentro de
sua especialidade usando medicina
baseada em evidências, mas adaptando
às nossas condições. Por outro lado,
eu pensava que com um projeto desses
seria possível dar aos médicos uma
ferramenta do que é o melhor para
ser feito em várias situações. Essa foi
a base intelectual do início do Projeto
Diretrizes.
Como foi desenvolvido e
implantado?
Raul Cutait é cirurgião do aparelho digestivo, professor associado do
departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e diretor geral do
Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês. Foi um dos responsáveis pelo
sucesso do Projeto Diretrizes da AMB, hoje encampado pelo Conselho Federal
de Medicina, e consolidado por diversas entidades, por meio de convênios,
como a Agência Nacional de Saúde Suplementar e Secretaria Estadual de Saúde
de São Paulo, entre outras. Em celebração aos 10 anos do Projeto, concedeu a
seguinte entrevista ao JAMB
Raul Cutait -
Contratamos uma
Câmara Técnica, da qual faziam
parte Moacyr Nobre e Wanderley
Bernardo, que tinham interesse e
formação para escrever esse material.
Tivemos a ideia de fazer um curso
para preparar médicos, que as
Sociedades iriam indicar, para que
eles coordenassem seus próprios
projetos. As primeiras diretrizes
foram como um ensaio. Houve um
aprimoramento do que deveria
ser definido e amadurecimento do
projeto como um todo. Fiquei à frente
dele até 2005. Nesse meio tempo,
conseguimos fechar com o então
ministro da Saúde, José Serra, um
contrato para que o Sistema Único de
Saúde pagasse à AMB para escrever
100 diretrizes. O passo seguinte era
implantar e para isso é necessário
uma estrutura muito grande para
que hospitais, grupo ou áreas
pudessem aderir ao uso. O processo
de implantação é lento e precisaria,
na minha visão, de envolvimento
maior da AMB e das Sociedades de
Especialidade, interferindo de uma
forma mais propositiva.
Como analisa o projeto hoje?
Raul Cutait -
Hoje, 10 anos
depois, fico muito feliz de ter tido
essa iniciativa e apoio da AMB
e CFM para que acontecesse. O
Projeto Diretrizes é uma realidade.
Está consolidado e tende a ser
irreversível desde que continue se
ampliando e, principalmente, seja
efetivamente implantado. Na época
em que sai, a minha discussão era
que deveríamos ser mais agressivos
quanto à implantação. Ele ainda não
ganhou espaço no cotidiano dentro
dos hospitais como imaginávamos
acontecer. Acompanho o projeto como
quem acompanha um filho que vai
morar em outro país: sempre quero
saber o que está acontecendo. Tenho
o máximo interesse que ele seja um
dos principais programas da AMB.
Para ser grande deve estar na linha
de frente, mas não basta ficar só nos
papéis, livros e internet. Para o futuro,
não tem de envolver, efetivamente,
as Sociedades de Especialidade, as
instituições públicas e privadas,
os médicos que são formadores de
opinião, pois esse é um processo
de difusão que, pouco a pouco, vai
chegando na vida prática de cada
um. É preciso lembrar que muitas
faculdades de medicina não cumprem
excelente programa de formação
e 1/3 dos médicos que se graduam
não têm programa de residência.
O fato de poder se orientar por
meio de diretrizes das Sociedades
de Especialidade era para ter um
impacto enorme na qualidade do
atendimento. Em última análise, o
Projeto Diretrizes é o caminho para
permear os processos clínicos, criando
uma grande revolução de qualidade
em todo país.
Foto: Arquivo