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JAMB

JULHO/AGOSTO DE 2001

12

H.PARDINI

caso o preço dos remédios que compõem o coquetel não

fossem reduzidos. Todo esse esforço teve uma compensação:

houve uma diminuição do número de mortes por Aids nos

últimos cinco anos, numa média de 12,5% a cada ano. No

período entre 1995 e 1999, o número de óbitos por Aids teve

uma redução de 50% e as internações hospitalares caíram em

80%. O governo estima que 234 mil internações foram evitadas

entre 1997 e 2000, possibilitando uma economia de US$677

milhões aos cofres públicos. O modelo brasileiro de combate

à doença é apontado como padrão internacional e através de

programas de cooperação já foram firmados acordos com

países interessados na transferência de tecnologia para

produção de medicamentos: Cabo Verde, Guiné Bissau,

Angola e Moçambique foram os primeiros.

Apesar dessa ação eficiente, oMinistério da Saúde contabiliza

hoje 203.353 casos de Aids notificados oficialmente, sendo que

113 mil pessoas já morreram. Aestimativa, no entanto, é de que

existam mais de 530 mil pessoas infectadas pelo vírus em nosso

país. Somente no ano passado, na rede pública, foram realizados

2,9 milhões de exames para detecção de HIV. O Ministério da

Saúde prepara agora, devendo lançar ainda este ano, uma

campanha nacional de incentivo à realização do teste, com

pretensões de aumentar para 5,2 milhões de exames por ano.

Para João Silva de Mendonça, diretor do serviço de

Infectologia do Hospital Servidor Público do Estado de São

Paulo e membro consultor do Programa DST/Aids do

Ministério da Saúde, a política brasileira de combate à Aids

pode ser considerada a melhor do mundo. “Em termos ideais

nenhum país possui uma política de combate ao vírus HIV. Já

em termos reais, o Brasil é o país que mais se destaca. Acredito

que estamos no caminho certo”, diz.

De acordo comMendonça, esta política pode ser analisada

sob duas frentes: medicina curativa e preventiva. A primeira,

do qual é especialista, é talvez o principal motivo de tanto

destaque. O Brasil possui duas redes compostas por cerca de

70 laboratórios espalhados no país inteiro, capazes de

determinar tanto linfócitos CD4 (a deficiência imunológica

de quem possui o vírus HIV) quanto carga viral (a quantidade

de vírus do infectado). Além disso, fornece gratuitamente os

remédios ao longo do tratamento e possibilita testes sem

identificação. “Esta é uma política corretíssima, por isso é

tão invejável no mundo todo”, comenta. “Este sucesso só é

possível porque há a possibilidade de comprar genéricos e

não apenas remédios de multinacionais. Com isso, o Brasil

economiza cerca de 500 milhões de dólares”.

Já a segunda, pode ser alvo de alguma crítica simplesmente

por ser bastante complexo aplicá-la devido à heterogeneidade

da população brasileira. “Saber trabalhar com tantas diferenças

é extremamente complicado”, ressalta. “Embora não houvesse

uma política preventiva definida, atraente e produtiva até

meados da década de 90, o Brasil acordou nos últimos seis

anos, mas ainda temos que nos aperfeiçoar para atingir um

modelo consistente”, avalia.

Independente de ser preventiva ou curativa, um aspecto

importante a ser destacado, na opinião do infectologista, é o fato

do Brasil respeitar as convicções de cada indivíduo, sobretudo

na escolha sexual. “Apolítica oficial nunca se atreveu a se antepor

se a pessoa tem preferência sexual de natureza A, B ou C; ou se

é usuária de drogas, por exemplo. A política respeita os direitos

humanos dos cidadãos, e é exemplar neste sentido”.

Mendonça acredita também que a epidemia no Brasil vai dar

muito trabalho devido a acelerada progressão em direção às

classes menos favorecidas. “AAids deixou de ser uma doença

da classe média e está se alastrando nas classes mais pobres. E

sua via de transmissão, ainda é predominantemente

heterossexual. Este talvez seja o grande desafio do País”.

esde 1981, quando foram registrados os primeiros

casos de Aids no mundo, 22 milhões de pessoas já

morreram. Só no Brasil foram mais de 150 mil.

Hoje, 20 anos depois, graças as ações de novas drogas

e a uma eficiente política de combate à epidemia, considerada

um modelo exemplar em todo o mundo, a sobrevida dos

brasileiros infectados é maior. A taxa de letalidade no país caiu

75%desde 1996, época emque oMinistério da Saúde começou

a distribuir gratuitamente, através de sua rede pública, o coquetel

de anti-retrovirais. São12medicamentos no total, atingindocerca

de 100mil pacientes, ou seja, quase 100%dos casos notificados.

Hoje o governo brasileiro gasta o equivalente a US$ 303

milhões com a compra de medicamentos, sendo que

somente dois deles (nelfinavir e efavirenz), protegidos pela

lei de patentes, consumiram 39% dos recursos. Dessas 12

drogas, oito são produzidas por laboratórios brasileiros,

reduzindo o custo médio anual do tratamento para U$ 4.500

no Brasil contra US$ 12 mil nos EUA ou em países que

dependem totalmente de drogas americanas.

Esse foi o motivo do conflito entre Estados Unidos e o

Brasil, iniciado no ano passado, quando o ministro José

Serra ameaçou as multinacionais de licenciar suas patentes,

APM DISCUTIU

O ASSUNTO

A Associação Paulista de Medicina realizou, dia 6

de agosto, na sede da entidade, a mesa-redonda

‘Aids: Aspectos Econômicos, Sociais e Políticos’.

Coordenado por Hélio Vasconcelos Lopes, presidente

do Departamento de Infectologia da entidade, o

evento procurou discutir os avanços e entraves ao

tratamento da doença no Brasil.

Ricardo Diaz, diretor do Laboratório de

Retrovirologia da Escola Paulista de Medicina/Unifesp,

falou sobre ‘O laboratório de virologia: despesas ou

investimento’. “O tratamento de um paciente infectado

pelo vírus é extremamente caro. Estima-se que nos

EUA gasta-se por ano cerca de 20 mil dólares apenas

com remédios. Comummonitoramento adequado com

testes de laboratório é possível minimizar este custo

e, ainda, oferecer o que há de mais moderno para que

o paciente se sinta cada vez melhor”, explica.

Outro assunto em pauta foi o conflito com os

Estados Unidos e certos laboratórios para garantir

acesso aos medicamentos. O infectologista e gerente

da indústria Avents Pasteur, Antonio Ganme, falou

sobre ‘O papel da Indústria Farmacêutica: ciência,

economia e política’. Segundo ele, o papel da

indústria é importante porque investe em pesquisas,

mas a Lei de Patentes brasileira é discutível. “Não é

possível um país fabricar todos os medicamentos

isoladamente. Apesar de todos visarem lucro, é

preciso que haja mais honestidade e menos lobby

nas relações do governo com as indústrias”. Já João

Silva de Mendonça, diretor de doenças infecciosas

do Hospital Servidor Público do Estado de São Paulo,

palestrou sobre ‘Análise social, política e econômica

do Programa Brasileiro’.