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J O R N A L D A
A S S OC I A Ç ÃO MÉ D I C A B R A S I L E I R A AMB
- JAN/ FEV -
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editorial
Fazia o calor próprio da estação e latitude. A chuva rápida, seguida de sol intenso, trouxe-nos a atmosfera clara e o
céu azul que merecia a data: 18 de fevereiro. Éramos muitos e via-se no semblante de todos a satisfação de estarmos ali,
no Terreiro de Jesus (Pelourinho), a comemorar os 200 anos de nossa Faculdade de Medicina da Universidade Federal da
Bahia. “Nossa” porque é a escola de todos os médicos brasileiros. Dos seus filhos diretos, os lá graduados e dos seus
descendentes algo mais distantes.
Foi uma linda festa!
1808. Chega o então príncipe regente de Portugal, D.João VI, ao Brasil e faz nascer a nação brasileira.
Se a transferência da capital do Reino foi ou não decisão acertada, discutem-na ainda os historiadores.
Certa, porém, é a sobrevivência da monarquia portuguesa e da Pátria-mãe ao parto da filha.
Ao abrir-nos os portos, dá-nos o príncipe a conhecer o mundo e ao criar nossa primeira instituição de ensino superior,
dá-nos a semente da verdadeira independência.
O monarca fica pouco tempo na Terra Bahiana. Desce ao Rio de Janeiro e lá estabelece a sua capital do que viria mais
tarde a ser Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves. E a segunda escola médica do jovem País: a não menos tradicional
“Nacional de Medicina”, hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Entre a criação da primeira e a segunda escola médica brasileira passaram-se 10 meses.Viu o príncipe que fosse
melhor parar por ali, visto atendidas neste domínio as necessidades do momento.
Um príncipe consciente de uma monarquia absolutista.
Descemos os degraus da Catedral, onde ainda ressoava o
Te Deum
e se respirava incenso. Ao fazê-lo percorremos
200 anos e voltamos à realidade do presente.
Triste.
Deixei Salvador e tomei o avião para Curitiba.
Abriram mais uma “escola médica”. Desta vez no Paraná.
O que fizeram da escola médica!
Por que atentam assim deliberadamente contra nossa profissão?
Durante 90 anos foram três escolas médicas.
Cresceu o País. Necessário foi expandir suas instituições, mas, já nos anos 70 e 80, fazia-se sentir ultrapassarem-se os
limites. Contaminada do espírito mercantil, tônica do ensino superior destes tempos, a Medicina deixa-se abater.
Ultrapassando o ritmo alucinante de uma nova escola a cada dois meses, apenas nos últimos 10 anos foram
autorizadas a funcionar 75 faculdades de Medicina. Surgiram equipes especializadas em fabricar currículos
“inovadores”. Os programas propõem-se não a formar médicos completos, mas as palavras de ordem são “médicos para
o SUS”. Instituições comerciais tomam emprestado “professores” de outras áreas, não raro distantes da médica, para
engrossar seus “núcleos estruturantes”. Somam-se a eles os “doutores” itinerantes, “clonados” nos corpos docentes de
diversas faculdades. O “hospitalocentrismo” torna-se pretexto para eliminar o “hospital-escola” e o
“ensino baseado em problemas” para justificar a falta do contato com pacientes reais.
Fazem-no dentro da lei. Amparados na liberdade de estabelecerem seu negócio, em um ambiente
em que o ensino não é mais que um mero negócio.
E a saúde, um conceito abstrato demais para ser considerado.
Elevam-se os processos disciplinares nos Conselhos de Medicina, acompanhando a
degradação do ensino, refletida na vertiginosa queda da assistência.
Temos hoje 326 mil médicos no Brasil. Número muito superior ao que poderia absorver
nosso subfinanciado e caótico sistema de saúde. Número muito superior ao que poderiam
absorver as poucas e frágeis instituições de assistência ainda capazes de hospedar os
fundamentais programas de Residência Médica! Quase 50% dos médicos brasileiros
encontram-se à margem da especialização.
Tem-se aqui com clareza a diferença entre o absolutismo consciente e a
democracia irresponsável e permissiva.
Conquistamos a democracia.
Temos Constituição. Temos leis.
Demos grandes passos.
Que distância enorme no Brasil separa o que é legal do
moralmente aceitável!
Estamos tão longe da democracia consciente....
Contrastes
José Luiz Gomes do Amaral
Presidente da AMB