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JAMB - NOV/DEZ - 2006
Compatibilidades
Mal ultrapassamos o umbral da
adolescência, estamos biologi-
camente preparados para constituir
família. Em passado não distante,
assimo fazíamos.Aorganização so-
cial e o ritmo imposto pelas carrei-
ras escolhidas impuseram-nos mu-
danças profundas de comportamen-
to: é a afirmação profissional, não
mais a competência biológica, o
determinante da chegada dos filhos.
Assim, nós médicos, hoje,
completamos a nossa formação
graduada por volta dos 25, a espe-
cialização aos 30 e, raramente antes
dos 35 anos, aproximamo-nos da
afirmação profissional. Será então
quando nos veremos em condições
de concretizar nossas expectativas
familiares.
Como compatibilizar carreira e
família?
Na medicina, encurtar a forma-
ção, seja a graduada ou a especia-
lizada, traz apenas desvantagens. O
campo de conhecimento alargou-se
consideravelmentenas últimas déca-
das. Os imprevisíveis cenários de
saúde que nos esperam no futuro
obrigam-nos a alargar a base de
informação e ampliar as valências
técnicas. Se não o fizermos, sere-
mos condenados a uma precoce
obsolescência, incompatível com a
necessária extensão da vida profis-
sional plena até os 70 anos oumais.
De fato, ao buscar realizar o de-
sejo de oferecer aos filhos gerados
perto dos 40 anos, oportunidades
pelomenos não diferentes daquelas
que tivemos, seremos conduzidos a
ampará-los outros tantos 30 ou
35 anos. Nesse contexto, talvez
pudéssemos esperar a aceleração da
fase de afirmação profissional, no
que temos sido contrariados pelas
perspectivas cada vezmais sombrias
que rondam a carreira médica.
Nas grandes cidades, acotove-
lamo-nos os médicos em um espa-
ço de trabalho exíguo, concentrado,
quase que exclusivamente namedi-
cina privada. No Sistema Único de
Saúde, sobretudonas regiõesmais
distantes das capitais, não há opções
consistentes. Aqui e ali, ouvimos
referência a oferta de trabalho no
interior remoto. Vez por outra, vêm
elas acompanhadas demirabolantes
propostas de remuneração despro-
porcionais ao parco orçamento das
Secretarias Municipais de Saúde.
Commaior freqüência nos chegam
notícias de atrasos, não pagamentos
e de limitações ao exercício livre da
profissão.
Não bastassem tais obstáculos
imediatos, a desvinculação destas
propostas de um plano de carreira
tira-nos, dos eventuais interessados,
qualquer esperança de futuro fami-
liar. Sim, porque nossos filhos vive-
rão futuroaindamaisdifícil, noqual a
competição acirrada deles exigirá
formação igualmente ampla e sólida.
Com 310 mil médicos, ou seja,
uma relação médico-habitante
próxima da encontrada nos países
desenvolvidos da Europa, o que nos
falta no Brasil para construir um
sistema de assistência médica de
primeiromundo não sãomaismédi-
cos. É investimento que nos permita
bem trabalhar e desenvolvermos
continuamente. Dar-nos sustentação
técnica, integrando-nos em inicia-
tivas coerentes. É absorver-nos
após a formação especializada, em-
pregar-nos emumplano de mobili-
dade no território nacional para que,
a um só tempo, ofereçamos medici-
na de excelência às populações
assistidas e tenhamos satisfeitas as
nossas aspirações pessoais, notada-
mente a oportunidade de educação
completa aos nossos filhos.
e d i t o r i a l
José Luiz G. do Amaral
Presidente da AMB