4
JULHO/AGOSTO 2012
4
JULHO/AGOSTO 2012
entrevista
D.RaymundoDamasceno
Foto: Divulgação CNBB
D. Raymundo Damasceno Assis, atual arcebispo de Aparecida, estudou
em Roma e na Alemanha, tendo sido ordenado sacerdote em 1968 em
Conselheiro Lafaiete (MG). Em 1986, em Brasília, foi ordenado bispo e,
desde então, assumiu vários cargos em organizações internacionais. Em
2011, foi eleito presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) para o quadriênio 2011-2015, durante a 49ª Assembleia Geral
dos Bispos, realizada em Aparecida.
Por que a Igreja Católica esco-
lheu o tema saúde para a campanha
da Fraternidade?
D. Raymundo Damasceno
– O
cuidado dos doentes sempre esteve
entre as prioridades da Igreja Católica.
Com sua grande capilaridade e a expe-
riência de serviço prestado aos doentes
em nossas comunidades, não foi difícil
constatar que a saúde pública no país,
apesar dos avanços apresentados, não
vai bem. No cotidiano da saúde públi-
ca, constatamos longas filas para o
atendimento, a demorada espera para
a realização de exames, a falta de vagas
nos hospitais públicos e a falta de medi-
camentos. Sem deixar de mencionar
a situação em que se encontra a saúde
indígena, dos quilombolas e da popula-
ção que vive nas regiões mais afastadas.
São situações que contrastam com a
dos que têm condições de contratar os
serviços dos planos privados de saúde,
que já respondem pelo atendimento de
umquarto da população. Diante disso, a
Igreja, com a Campanha da Fraternida-
de, deseja sensibilizar a todos sobre uma
das feridas sociais mais agudas de nosso
país: a dura realidade dos filhos e filhas
de Deus ao buscarem serviços de saúde.
Chamamos a atenção para nossa Cons-
tituição em seu artigo 196, que diz, “a
saúde é direito de todos e dever do Esta-
do”. Urge maior empenho na superação
desta desigualdade verificada no trata-
mento da saúde que afeta diretamente
a vida de uma grande parcela de nosso
povo, sobretudo dos pobres.
Quais são os objetivos da Campa-
nha e como a Igreja poderá ajudar pela
melhoria da saúde emnosso país?
D. Raymundo Damasceno
– Em
primeiro lugar, a Igrejanão temapreten-
são de resolver o problema da saúde
pública com esta Campanha da Frater-
nidade e sim suscitar um sadio debate
sobre o tema e mobilizar as pessoas e
setores da área, em ações que revertam
as dificuldades acima citadas. Entende-
mos ser necessário esclarecer a popula-
ção que o Sistema Único de Saúde é um
avanço por compreender a saúde sob o
prisma do direito. Além do mais, é um
sistema erigido sob a guia de valores
incontestáveis como a universalidade,
a equidade, a integralidade, a descen-
tralização e responsabilizar as diversas
esferas governamentais. Este modelo
ainda prevê a participação da sociedade
no controle da saúde pública através dos
Conselhos de Saúde. Do ponto de vista
conceitual, o SUS é excelente, precisa-
mos nos empenhar em sua consolida-
ção. A Campanha também se propõe
ajudar as pessoas a perceberem a saúde
como um dom, que deve ser preservado
mediante o cultivo de hábitos saudáveis
e, ao mesmo tempo, suscitar o espírito
fraterno no cuidado das pessoas doen-
tes. Por fim, por meio desta Campanha,
queremos levar uma palavra de incenti-
vo aos gestores e profissionais da área da
saúde, lembrando que devematualizar a
figura do “Bom Samaritano” junto aos
enfermos, como terem o justo reconhe-
cimento nesta importante missão.
Em 1981, o tema foi “Saúde para
todos”. Quais os resultados dessa
campanha?
D. Raymundo Damasceno
– A
Campanha de 1981 ocorreu alguns
anos após a Conferência Internacional
de Alma-Ata (Cazaquistão – 1978), que
propôs um modelo de saúde pública
baseado na participação comunitária;
na cooperação entre diferentes setores
da sociedade e nos cuidados primá-
rios da saúde, além de forte oposição
à privatização da saúde sob a respon-
sabilidade do governo. No Brasil, os
movimentos sociais reivindicavam a
universalização do direito à saúde, com
a unificação dos serviços prestados pelo
Inamps e Ministério da Saúde em um
mesmo sistema e a integralidade das
ações.
Nesse sentido, o lema desta Campa-
nha, “Saúde para todos”, fez ecoar as
justas reivindicações dos movimentos
sociais para a saúde da população, o
que contribuiu para o esboço e implan-
tação do atual modelo brasileiro de
saúde, ancorado no SUS.
A CNBB oficializou apoio à
campanha liderada pela AMB, OAB
e Academia de Medicina em prol
de projeto de lei que garanta novos
investimentos à saúde. Como a Igreja
trabalhará na coleta de assinaturas?
D. Raymundo Damasceno
– Na
análise apresentada no referido Texto
Base, exprimimos a opinião de que a
saúde pública necessita de mais inves-
timentos públicos (nn. 124-129). Na
comparação com investimentos dos
países que apresentam os melhores
sistemas públicos de saúde, é evidente
que nosso governo ainda não investe o
necessário nesta área. Os termos estabe-
lecidos para o financiamento da saúde
pública após a votação da EC 29, pare-
cem não resolver o problema, pois não
acrescentam verbas para a área. Além
disso, o financiamento pesará mais
sobre os Estados e municípios. Por esta
razão, nós bispos entendemos ser neces-
sário reabrir esta discussão no Congres-
so. A participação da Igreja na coleta de
assinaturas foi decidida pelos bispos na
última Assembleia, em Aparecida. E a
contribuição nesta coleta ocorrerá por
meio de um trabalho nas Dioceses e
suas paróquias.