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JANEIRO/FEVEREIRO 2009
jurídico
Aprivaçãodo sonona
ResidênciaMédica
No Brasil, a legislação estabelece
que a residência médica apresenta-
se como modalidade de ensino de
pós- graduação, destinada a médi-
cos, sob a forma de cursos de espe-
cialização, caracterizada por treina-
mento em serviço, funcionando sob
a responsabilidade de instituição de
saúde, universitárias ou não, sob a
orientação de profissionais médicos
de elevada qualidade ética e profis-
sional.
Apesar de não se firmar qualquer
vínculo laboral entre o médico resi-
dente e a instituição que oferece trei-
namento, a residência médica, desde
os seus primórdios, foi objeto de
discussão visando se estabelecer cri-
térios e normas éticas para susten-
tação jurídica dos programas, como
também, pela garantia de adequadas
condições do próprio treinamento
em serviço do médico residente.
O número de horas de efetiva
dedicação ao serviço também está
previsto em lei, dispondo que os
programas dos cursos de residên-
cia médica respeitarão o máximo de
60 (sessenta) horas semanais, nelas
incluídas
um
máximo de 24 (vinte quatro) horas
de plantão.
No entanto, é inevitável, pela
natureza do treinamento, que o mé-
dico residente esteja sujeito a longos
períodos de privação de sono, com
o agravante de que o jovem médico,
por compromissos pessoais, tenha
que assumir plantões em serviços
alheios ao do seu treinamento; ou
ainda, porque entende que a quali-
dade do aprendizado na residência
médica está diretamente relacionada
ao número de horas trabalhadas.
A consequente privação do sono,
apesar da impressão subjetiva do
médico de não ocorrer qualquer re-
percussão à sua atividade, provoca
alterações cognitivas, dificuldade
de aprendizado de conhecimentos
novos, de memorização, motivação,
como também, com frequência, hu-
mor alterado, ansiedade e depressão.
A partir do final da década pas-
sada, estudos com médicos residen-
tes americanos demonstram que
pelo menos 20% deles tinham no
máximo cinco horas de sono por
noite, com a constatação de que,
com maior frequência, se envolve-
ram em acidentes; conflitos
com colegas; alcoolismo;
uso de medicamentos, bem
como eventos adversos
culposos.
Constatou-se, ainda,
que o modelo tradicional
de residência médica, com
exagerado número de horas
dedicadas ao tra-
balho, configu-
rou-se como
influência
ne g a t i v a
no treina-
mento e na qualidade de atendimento
e que a reforma dessas condições não
afetaria a qualidade da formação do
especializando.
No Brasil, o Prof. Luiz Antônio
Nogueira Martins, do Núcleo de
Assistência e Pesquisa em Residên-
cia Médica da Universidade Federal
de São Paulo, ao pesquisar sobre o
tema, concluiu que, para o melhor
rendimento e aproveitamento do
treinamento, o profissional deve res-
peitar ao que denominou “manda-
mentos” do médico residente, com
orientações práticas e objetivas de
atitudes para essa fase de formação.
Pela proposta, omédico residente
deve evitar assumir outros compro-
missos profissionais para não sobre-
carregar mais ainda a sua agenda;
não assumir “plantões fora” duran-
te o R1 e fazer uma lista diária das
prioridades no trabalho, suprimindo
tarefas que, apesar de importantes,
não são essenciais.
O respeito à biologia do ciclo
sono – vigília, configura-se como
hábito saudável e ato de respeito e
cuidado médico com o seu pacien-
te, além de tratar-se de efetiva es-
tratégica de prevenção de eventos
questionáveis como erro médico.
Roberto Augusto de Carvalho
Campos
Mestre e Doutor em Medicina pela
Universidade Federal de São Paulo
Professor Doutor do Departamento
de Direito Penal da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo
Assessor Jurídico da Associação
Médica Brasileira
Virginia Novaes Procópio de
Araujo
Advogada associada do escritório
Camargo e Campos Advogados
A residência médica, idealizada em 1885 por Willian Stewart Halsted, teve desde a sua
origem o objetivo pedagógico de orientar os médicos em fase de especialização para novos
conhecimentos, habilidades e atitudes.