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L

ondres. Manhã de quinta-feira. Hoje visitei a Ca-

tedral de Westminster, na Ashley Place, perto da

Victoria Station, uma das estações mais charmo-

sas de Londres. Após enfrentar a correria diária da es-

tação, que é conexão para várias cidades da Inglaterra,

pude aquietar-me no silêncio da catedral.

Estilo bizantino, raro em Londres. Uma enorme

cruz de madeira sobre o altar-mor captava a atenção

do visitante recém-chegado. Lugar imenso, escuro, as

abóbodas altas e enegrecidas pelo tempo, desnudas

– segundo a história, inacabadas por falta de verbas –

contrastavam com o mármore das colunas e das pa-

redes mais baixas. O ambiente convidava para um

raro momento de introspecção, numa viagem pelos

labirintos do inconsciente.

Havia tido na noite anterior um festival de sonhos

vividos, mesclando episódios e personagens que de

modo algum se encaixavam na minha existência. Pa-

recia que uma mão invisível havia tentado refazer a

minha vida, procurando juntar peças de um quebra-

-cabeça no escuro e, por isso mesmo, inadvertidamen-

te, misturando e confundindo todas elas. Sensação in-

trigante e não menos angustiante.

É claro que nos últimos dias tinha visitado museus,

abadias e catedrais, com obras que ultrapassavam o iní-

cio da era cristã. São centenas de anos retratados em es-

culturas, pinturas, manuscritos e objetos das mais va-

riadas procedências, que povoaram a minha mente em

menos de uma semana.

Sentado no fundo da catedral, com uma visão am-

pla da magnitude local, por instantes entrei em êxta-

se, procurando uma resposta para a minha existência.

Ao longo da vida tenho estudado, lido, assistido a pales-

tras, ido a congressos e participado de discussões, pro-

curando sem êxito encontrar um elo consistente que

pudesse me atrelar a uma certeza palpável acerca da

nossa existência no universo.

Foi, então, que lembrei de uma citação que havia

encontrado num dos museus visitados e que veio ao

encontro das minhas ansiedades: “Será que estamos

apenas de passagem por este mundo e por aqui não

voltaremos a atracar?”

Independentemente de qualquer crença religiosa, é

estranho o efeito que determinadas catedrais e museus

são capazes de exercer sobre nós. Mais estranha, ainda,

a sensação naquela catedral. Embora com uma quietu-

de na alma, não pude deixar de me abalar por uma es-

tranha sensação de

déjà vu

.

Gosto de Londres e de seus monumentos históricos.

Mas aquelas paredes tinham uma estranha vibração,

que parecia entrar em sintonia com algo escondido lá

no fundo do meu inconsciente, amordaçado, talvez, por

um véu invisível, que teimava em não deixar transpa-

recer um segredo guardado a sete chaves. Enquanto os

pensamentos borbulhavam atônitos com a inesperada

liberdade, aquela citação continuava retumbando em

minha mente...

Será que estamos apenas de passagem

por este mundo e por aqui não voltaremos a atracar?

José Antonio Grinas

Cardiologia

Alegrete – RS

Crônica

Ecos de Londres

3

o

lugar

IV Concurso

Nacional

de Crônicas

e Contos

da AMB