Conto
2
o
lugar
IV Concurso
Nacional
de Crônicas
e Contos
da AMB
Consultando...
O
médico ginecologista, na sua prática rotineira,
enfrenta jornadas por vezes extenuantes. Entre-
tanto, é frequentemente recompensado com a
rica troca de experiências, a amizade e o reconhecimen-
to das pacientes. Os inevitáveis momentos hilários nos
surpreendem e são como temperos do cotidiano. Os re-
latos a seguir são alguns desses temperos.
Nunca gostei da expressão “esfregaço vaginal”. Ela
descreve um distendido feito em lâmina de vidro de
parte do conteúdo cervicovaginal, exame muito impor-
tante no diagnóstico das lesões precursoras do câncer
do colo uterino, conhecido no nosso meio como “exame
preventivo”. Temo, entretanto, a confusão que o termo
possa causar. Foi o que aconteceu com a Regina, que me
procurou decepcionada com o atendimento da sua an-
tiga ginecologista, que, apesar de ter-lhe informado que
tinha um “estragaço” vaginal, deixou-a abandonada à
própria sorte, sem dar nenhuma importância ao fato!
Agora estava ela ali, para me pedir ajuda com aquela
vagina toda estragada...
O interessante no atendimento é justamente o inusi-
tado, a resposta que você jamais esperaria, como aquela
que me deu D. Lourdes, de 77 anos, residente na Chapa-
da Diamantina. Há muitos anos ela vem religiosamen-
te fazer o preventivo, apesar de todas as minhas tenta-
tivas de lhe desobrigar deste exame anual. D. Lourdes
vem com alguns resultados de exames já realizados por
solicitação da médica da sua cidade. Desta vez, já havia
feito a ultrassonografia transvaginal. Após a entrevis-
ta, nos dirigimos à mesa de exames. Sabia que havia al-
guns anos ela não mantinha mais atividade sexual, mas
o surgimento do Viagra e similares têm feito mudanças
nesse sentido em casais mais idosos. Por segurança, re-
solvi perguntar:
– Houve atividade sexual neste período, D. Lourdes?
– Nada, minha filha... Faz muito tempo... Aliás... Nesses
tempos, assim... Só quemme usou mesmo... foi o moço
lá do ultrassom!
Noutro dia, a secretária, preocupada, veiome pedir que
atendesse logo D. Vera. Estava achando o comportamento
dela estranho na sala de espera. Estava completamente
diferente da senhora calma e cordata de sempre. Agita-
da, falava sozinha e reclamava de forma desconexa. Me-
lhor seria que entrasse logo!
D. Vera entrou e logo me informou que não faria o
exame ginecológico naquele dia, porque a minha sala
também estava cheia de escutas... Imaginou, a princípio,
que estivessem apenas na sala de espera, mas via que
eles estavam ali também. Eu não via, porque eu era uma
boa pessoa, mas ela estava vendo todos eles... O caso era
muito sério, e eu também estava correndo sério perigo...
Percebendo o delírio de D. Vera, ciente de que ela es-
tava desacompanhada, procurei saber se ela havia sido
medicada anteriormente por algum colega.
– Não se preocupe, D. Vera. Não faremos o exame hoje,
mas vamos conversar um pouco. Quais os remédios que
a senhora precisa tomar todos os dias? Usa algum tran-
quilizante? Algum remedinho para dormir?
– Não, doutora! Já usei muitos.Mas, graças a Deus, agora
estou livre deles. No domingo passado, estava sentada no
sofá quando o Pastor Soares veio diretamente de São Pau-
lo, entrou na minha televisão, apontou o dedo pra mim e
disse:“Você! Você mesma que está aí, sentada neste sofá,
assistindo esta televisão... que não dorme... que está ner-
vosa e tomando remédio controlado... faixa preta... Levan-
te agora, irmã! Pegue este remédio lá na gaveta e jogue
fora! Você vai dormir sem ele e nunca mais vai precisar
disto”. – Dito e feito, doutora! Joguei fora o remédio, dor-
mi muito bem e fiquei assim, boazinha, como a senho-
ra está me vendo aqui agora. Completamente curada!
Que vontade de mandar D. Vera passar uns dias na
casa do pastor, para ele admirar sua obra!
Norma Oliveira C. de Almeida
Ginecologia
Salvador – BA