Antonio Carlos
Lopes
Antonio Carlos Lopes é doutor em Cardiologia e livre-docente em Clínica Médica pela Escola
Paulista de Medicina, diretor e professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de
São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Um dos mais respeitados
nomes da medicina nacional falou ao
Jamb
sobre o programa Mais Médicos.
Qual a sua visão sobre o programaMaisMédicos?
AntonioCarlos Lopes –
Ninguém contesta que são
necessários médicos nas regiões afastadas. Nossa preocupação
é com a oferta da saúde integral, pois omédico sozinho não
consegue melhorar as condições de saúde local. É necessário,
alémde mais médicos, mais enfermeiras, mais farmacêuticos,
enfim, o que é preconizado pelo próprioMinistério da Saúde
com a equipe multiprofissional. Os médicos brasileiros se
afastamdessas localidades, pois não têm como trabalhar
nelas, pela falta de estrutura e de uma carreira de estado que
os proteja. Aqueles que se arriscaram sofrem como que
ocorre hoje: omédico empregado pela prefeitura está sendo
demitido para dar lugar ao profissional contratado com verba
do governo federal. E por que o governo, nos últimos anos, não
se preocupou emoferecer essas condições? Por que só agora,
um ano antes das eleições, despertou para tal preocupação?
Está claro que se trata de umprograma eleitoreiro. Sob o
ponto de vista humanístico, somos solidários aos cubanos,
à disposição de trabalharemnum local que não conhecem,
sem infraestrutura. O que contestamos são as características
do trabalho escravo, pois eles estão confinados a apenas
uma região, compassaportes retidos e salários indignos.
Infelizmente, sabemos que não poderão fazer muita coisa, a não
ser sob o risco do infortúnio e de pagar umpreço alto por isso.
Oprograma irámelhorar a saúde do brasileiro?
Antonio Carlos Lopes –
De forma alguma, porque pressupor
atenção básica sem ter examinado o doente antes é um
grande erro. A simplicidade da sua doença não dependerá
da competência do médico em diagnosticá-lo, pois aquilo
que pode ser atenção básica para o médico mal preparado
poderá não ser para o melhor preparado, que conseguirá
fazer prognósticos, vislumbrar complicações etc. Por isso,
o doente deve ser visto como um todo, da maneira mais
completa possível, com atenção integral, incluindo toda a
infraestrutura necessária. Atenção básica é só para quem tem
formação básica, e serve somente para “quebrar galho”, como
se diz popularmente. Convivo diariamente com pacientes
indicados para atendimento na atenção básica, mas que, na
verdade, apresentam diagnósticos extremamente complicados.
Como se pressupõe atenção básica sem examinar o doente
antes? Repito: atenção básica é igual à medicina quebra-
-galho. E é esse tipo de medicina que o governo está
oferecendo aos mais carentes com oMais Médicos.
Na sua opinião, como as entidades
médicas atuaramno episódio?
Antonio Carlos Lopes –
Tiveram um comportamento
muito conformista. Não se conseguiu a política de
resgate que se pretendia. Trilhou-se o caminho errado
de críticas aos estrangeiros, que não tinham nenhuma
culpa na situação, embora por trás deste programa
exista uma ideologia política. Creio que as entidades
poderiam ter feito uma melhor articulação política com
o governo para não se chegar ao ponto de desgaste atual.
O diagnóstico que não foi feito é o porquê de os médicos
estarem realmente incomodados. Não é por causa
dos cubanos, por reserva mercado, corporativismo ou
vaidade, como dizem. Além do aspecto eleitoreiro, o fato
principal foi o governo ter interferido na medicina: no
sistema de graduação e de residência médica; invadido
o direito das Especialidades, interferido na emissão do
título de especialista e nas ações dos conselhos; tudo para
valorizar apenas a atenção básica, o que é um absurdo.
Foi isso que deixou a classe médica desconfortável,
contrária a essa política insana do governo. A nossa
medicina é secular, de alto nível, da graduação à
residência médica, da pesquisa à produção científica,
sendo referencial, emmuitos casos, para o mundo.
Levamos muitos anos para chegar a esse nível e tudo
isso não pode ser destruído por questões eleitoreiras.
E a recente proposta do governo de um
novo imposto exclusivo para a saúde?
Antonio Carlos Lopes –
Émais uma visão daqueles que
não enxergam a saúde como se deve. No ano passado,
R$ 17 bilhões não foram usados peloMinistério da
Saúde. Para que mais dinheiro se não se usa o que tem?
Émais uma proposta absurda, pois o problema é de má
gestão. Falta bom senso a essas pessoas que dirigem a
saúde. São políticos que só querem holofotes. Se esses
cargos fossem ocupados por pessoas qualificadas e
capazes, e não pelo currículo de compartilhar a mesma
ideologia, a saúde brasileira não estaria nesse patamar.
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Arquivo pessoal
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JAMB
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NOVEMBRO/DEZEMBRO
2013