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JANEIRO/FEVEREIRO 2009

3

mensagem

da diretoria

Vende-se a ideia de que o diploma universitário seja o pas-

saporte para um futuro melhor; que o acesso à universidade

automaticamente implicaria na inclusão social.

De fato, a ascensão social e econômica se abre aos que lo-

gram a qualificação necessária para competir por oportunida-

des oferecidas pelo país em desenvolvimento.

Omite-se que diploma nem sempre implica em qualificação

e oportunidades podem não ser suficientes, caso o desenvolvi-

mento não atenda às expectativas. Alguns o fazem por atávica

distração face obstáculos difíceis. É mais comum, todavia, que

outros o façam intencionalmente, buscando defender interesses

inconfessáveis.

Nem desenvolvimento nem ensino têm correspondido às

aspirações. Haja vista a escassez de oportunidades. Acrescente-

se que nossos diplomas, considerada a insuficiência do ensino

brasileiro, longe estão de expressar qualificação.

A história brasileira, desde a segunda metade do século que

vimos encerrar e sobretudo desde o início do milênio, revela os

resultados da ausência de política educacional e da ação preda-

tória de um contingente cada vez maior de empresários inescru-

pulosos a parasitar o cenário das universidades e da política.

Não são raras as comparações entre o Brasil e países desen-

volvidos no campo da qualidade do ensino pré-universitário.

Não resta a menor dúvida da imensidão do nosso despreparo

para enfrentar o mundo globalizado.

O processo de degradação fez-se primeiro sentir na educa-

ção pré-universitária. O magistério sofreu profunda desvalori-

zação e as escolas públicas perderam todo prestígio, transferido

a algumas poucas instituições privadas, reservadas às elites.

A legislação permissiva e o uso indevido da autonomia

universitária têm permitido a disseminação de todo o tipo

de “faculdade”, o que na medicina nos fez ultrapassar marcas

mundiais, inusitadas mesmo em países com populações muitas

vezes maiores que a nossa.

Hoje, no Brasil de 190 milhões de habitantes, há registro

no Ministério da Educação de 173 “faculdades” de medicina,

número superado apenas pela Índia, com 272 escolas médicas

para 1,132 bilhão de habitantes; superior à China, com 150 fa-

culdades e 1,3 bilhão de habitantes.

Faltam às “escolas” médicas instituições assistenciais pró-

prias, o que inviabiliza a integração do ensino com a prática clí-

nica, reconhecida como essencial à formação. Quando muito,

e muitas são as “faculdades” que nem isso dispõem, há “convê-

nios” de “fachada” comhospitais públicos ou privados. Neles, os

alunos são deixados a acompanhar profissionais desvinculados

do corpo docente da “faculdade” de origem.

Educadores “mascates” especializaram-se em elabo-

rar modelos pedagógicos anunciados como “inovadores”,

vendendo-os por todo o País como se pudessem substituir a

atenção direta ao doente, o médico-professor e o hospital. Aliás,

em concertada ação, ouve-se acrimoniosa crítica aos modelos

rotulados “hospitalocêntricos” e à “medicalização” da saúde,

como se fosse melhor banir hospitais e médicos das faculdades

(de medicina!).

Tomam assim espaço as teorias ditas “inovadoras”: criar

escolas onde não há médicos, como se pudessem servir de

“polos” para fixação desses profissionais. Como se ao abrir uma

escola de pesca no deserto, lá viessem a se estabelecer pesca-

dores. Como se fosse dispensável expor futuros médicos à

atividade assistencial apropriada. Como se fosse possível ante-

cipar o ensino à boa prática.

Derradeiro bastião de resistência, os programas de

especialização, particularmente a Residência Médica, são dei-

xados à inanição, carentes de recursos, estes drenados para

os tais programas “inovadores”. Residentes são abandonados

sem supervisão; à falta de orientação qualificada, entregam-se

ao autoaprendizado, em práticas improvisadas, em ambiente

impróprio ao ensino ou ao exercício da profissão médica.

As pálidas iniciativas de saneamento, mais propostas

abstratas que ações concretas, ilustradas nas recentes publica-

ções de avaliações pontuais e incompletas, talvez rompessem

a escuridão que nos oprime; não fosse a cínica e indecorosa

proposição recente de oito (!) novas “faculdades” de medicina.

Este é nosso horizonte.

Não vivêssemos a democracia, restar-nos-ia a resignação.

Não nos resignemos; é possível mudar.

Nesse contexto, reconstruir o ensino médico e com ele a

dignidade da assistência médica exige de todos participação;

em outras palavras: discussão, decisão e mobilização.

Mobilização dos que vivem neste País, onde dinheiro não

é tudo, mas quase tudo e a todos compra; onde nem tudo é

negócio, mas é visto e tratado como tal.

Educar nossos filhos contrariamente a tais cínicas

premissas, não lhes inviabiliza jamais sobrevivência. Faz deles

instrumentos transformadores desta sociedade ora tristemente

permissiva.

José Luiz Gomes do Amaral

Presidente da Associação Médica Brasileira

Edmund Chada Baracat

Diretor Científico da Associação Médica Brasileira

Histórias pelametade e

estóriasmal contadas