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318

Jamb Cultura 2017; 13(43):313-320

Crônica

Modernidades farmacêuticas

E

stando doente, na terceira idade, sendo também

médico, resolvi tomar uns remédios.

Apanhei uma caixinha de comprimidos, cortei a

fita adesiva com uma gilete, retirei o frasco da caixa, mas

não consegui abrir a tampa. Pedi aminhamulher que o fi-

zesse e ela também não conseguiu. Pegou a bula e leu lá:

push

”. Tentou puxar e tambémnada conseguiu. Verifiquei

que era “

push down

” e corrigi: empurrar para baixo e, jun-

tos, também não conseguimos, pois o sistema travou. Pe-

guei então uma chave inglesa, fixamos o frasco, quebrei a

tranca da tampa e consegui abri-la.

Não consegui, contudo, sacar o comprimido, pois a boca

do frasco estava fechada com papel alumínio espesso e

tão bem lacrado que não consegui retirá-lo, nem com as

unhas. Peguei, então, um prego e um martelo, rompi o

lacre e liberei a saída do frasco.

Mais um problema: junto aos comprimidos, havia

uma bolha de plástico, certamente para conservar não

sei bem o quê. Como ela era mais leve que os comprimi-

dos e tinha um diâmetro maior, cada vez que eu inclina-

va o frasco a bolha chegava primeiro e entupia a saída

dos comprimidos. Foi fácil: empurrei a bolha com o prego,

que era dos grandes, fixei-a no fundo e meu comprimido

conseguiu sair. E eu consegui, então, tomá-lo. Em segui-

da, guardei o frasco na caixinha e, juntamente com ele,

o prego, para futuras incursões. Imaginei, então, o pro-

blema de alguns de meus pacientes idosos que chegam

a tomar até 10 comprimidos por dia!

Como eu estava também com tosse, resolvi tomar um

xarope. Apanhei a caixa, cortei a fita adesiva, retirei o fras-

co e consegui, até com facilidade, retirar a tampa, mas o

xarope não saía. A boca do frasco estava selada por um

dispositivo plástico, emque eu deveria acoplar uma serin-

ga de 10 mL, que vinha junto, mas esta não se encaixava

no dispositivo. Verifiquei, então, que havia outro disposi-

tivo, para acoplar a seringa no frasco. Aí, então, foi possí-

vel aspirar o remédio com a seringa para, depois, vertê-lo

diretamente na boca, na dosagem corretamente milime-

trada. Já estava no ponto nove da aspiração, quando tive

um acesso de tosse... e o xarope verteu seus nove milili-

tros na toalha da mesa. Depois de ter levado aquela bron-

ca, apanhei um serrote, cortei o dispositivo plástico do

frasco, arranquei-o fora com um alicate e, com uma co-

lher de sobremesa, consegui tomar minha dose. Imagi-

nei a mesma cena, com uma mãe e uma criança doen-

te chorando ali do lado.

Mas não há nada que uma boa caixa de ferramen-

tas não resolva.

Por tudo isso, tomo a liberdade de sugerir aos laborató-

rios farmacêuticos que promovamum treinamento espe-

cial a TODOS os balconistas de TODAS as farmácias, para

orientaramos pacientes a lidar com tantas modernidades.

Calculo que mais dametade deles seja da terceira idade e

não esteja afeita a tantas acrobacias para conseguir to-

mar os necessários medicamentos. Ou então, a um custo

mais baixo, criar mais facilidades e menos dificuldades.

Ficam, aqui, um depoimento e uma sugestão.

Everardo Andrade da Costa

Otorrinolaringologia

Mogi Mirim – SP