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2015; 61(2):97-98

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EDITORIAL

Exercício: quanto mais, melhor?

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Unidade de Aterosclerose, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

http://dx.doi.org/10.1590/1806-9282.61.02.097

Nos tempos atuais, vivemos em uma sociedade cuja cons-

ciência está cada vez mais

fitness

, o que, apesar de ser um

ponto muito positivo, pode esconder perigos para deter-

minados indivíduos. O amplo acesso à informação é um

dos responsáveis por esse fenômeno, uma vez que malefí-

cios originados de hábitos de vida, como sedentarismo e

alimentação inadequada, tornam-se de conhecimento co-

mum. Cada vez mais as descobertas científicas chegam ao

público, que interage com esses dados, questiona seus mé-

dicos, incorporando-os ao seu estilo de vida.

Uma consequência do exposto é a crescente populari-

dade global de corridas de rua, não apenas as de curta du-

ração, mas também as provas de alta duração e intensida-

de, como maratonas e ultramaratonas,

1-3

seguida, inclusive,

por um aumento da presença de corredores másters (i.e.,

corredores acima dos 35 anos),

4

pairando exatamente so-

bre esse ponto específico a preocupação referente à intera-

ção entre fatores de risco e atividade esportiva de elevada

intensidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número

de participantes de maratonas aumentou de 120 mil, no

início da década de 1980, para 507 mil em 2005.

5

Sabe-se muito bem que a prática regular de exercício

físico com intensidade leve a moderada tem seu benefício,

uma vez que reduz tanto morbidade quanto mortalidade

cardiovascular,

6-9

tornando-a recomendável e benéfica seja

para indivíduos saudáveis, seja para portadores de doenças

cardiovasculares. No entanto, o exercício de alta intensida-

de tem seus mecanismos cardiovasculares a longo prazo

pouco elucidados. Dessa forma, é extremamente perigoso

estender os já conhecidos resultados cardiovasculares be-

néficos do exercício físicomoderado e não competitivo para

a prática do exercício intenso e competitivo em indivíduos

amadores. Evidências têmmostrado que essa modalidade

de esporte realmente pode ter consequências distintas.

Alguns relatos recentes descrevem maior prevalência

de doença arterial coronária emmaratonistas,

10,11

o que é

muito significativo, pois pessoas que se julgam saudáveis,

e não têm sintomas cardiovasculares, podem apresentar

uma doença coronária silenciosa, ainda não detectada. En-

tre eles, o estudo de Mohlenkamp et al.

10

ganha destaque,

pois mostrou que maratonistas possuem escore de cálcio

coronariano semelhante a indivíduos sedentários parea-

dos por idade, mas estes com apresentação de escore de

Framingham maior. Quando pareados também por fato-

res de risco, ou seja, o escore de Framingham, os marato-

nistas apresentaram escore de cálcio mais elevado, levan-

do-nos à hipótese de que o esporte de alto desempenho e

intensidade pode estar correlacionado à aceleração do pro-

cesso aterosclerótico. Outra evidência sugere que o pro-

cesso pode ser difuso, pois no estudo de Kroeger et al.

12

100 maratonistas sem histórico de doença cardiovascular

foram avaliados, observando-se aumento da calcificação

de carótidas, aorta e artérias de membros inferiores, com

tendência de correlação com calcificação coronária.

Por outro lado, é importante saber que, apesar de ser

observada essa maior prevalência de aterosclerose em al-

guns grupos de atletas, especialmente entre maratonistas,

não há documentação de aumento de mortalidade por

doença arterial coronária envolvendo atletas. Existem nu-

merosos estudos discutindo a morte súbita nesses indiví-

duos, especialmente em jovens, mas esses eventos não en-

volvem diretamente o processo de calcificação coronária.

Dessa forma, não podemos nunca colocar o esporte

em um papel de vilão. Talvez, como todo tratamento, este

deva possuir sua dose benéfica. O raciocínio bem estabe-

lecido, portanto, a respeito de doses moderadas de ativi-

dade física e todos os benefícios advindos não deve ser

transferido para a prática intensa, como a maratona. Nes-

se caso, o recomendável é que os atletas possuam acom-

panhamento clínico muito próximo, sobretudo se forem

portadores de fatores de risco ou tiverem doença ateros-

clerótica já instalada. Esses conhecimentos devem ser

compartilhados com o paciente a fim de que ele saiba de

seus possíveis riscos, ainda pouco elucidados, e possa to-

mar as próprias decisões.

R

eferências

1.

Eichenberger E, Knechtle B, Rüst CA, Rosemann T, Lepers R. Age and sex

interactions in mountain ultramarathon running - the Swiss Alpine Marathon.

Open Access J Sports Med. 2012;3:73-80.

2.

Hoffman MD. Performance trends in 161-km ultramarathons. Int J Sports

Med. 2010;31(1):31-7.

3.

Hoffman MD, Wegelin JA. The Western States 100-Mile Endurance Run:

participation and performance trends. Med Sci Sports Exerc. 2009;

41(12):2191-8.