NOV/DEZ DE 2005
7
Mobilização em favor do SUS
A falta de uma adequada políti-
ca de financiamento foi a tônica das
discussões envolvendo o Sistema
Único de Saúde (SUS) durante o V
Congresso Brasileiro e VI Congres-
so Paulista de Política Médica. Afo-
ra a insuficiência de investimentos,
o governo ainda tentou retirar
R$ 1,2 bilhão do setor para aplicar
em programas sociais.
Atenta a essa manobra, a Frente
Parlamentar da Saúde convocou a
sociedade na luta contra o artigo da
Medida Provisória 261 que retira-
ria esse montante do orçamento do
Ministério da Saúde e em defesa da
regulamentação da Emenda Cons-
titucional 29, que garante aplicação
mínima de recursos no setor. Mais
de mil lideranças, entre parlamen-
tares e representantes de entidades,
entre elas aAssociação Médica Bra-
sileira, lotaram o Plenário 2 da Câ-
mara dos Deputados, em Brasília,
no dia 23 de novembro.
“Sinalizamos ao governo que a
sociedade não aceita mais restrições
ao orçamento da saúde”, enfatiza o
deputado Rafael Guerra (PSDB-
MG), presidente da Frente.
Editada em 30 de setembro, a
Medida Provisória 261 causou in-
dignação em toda a sociedade por-
que transferia para o Ministério da
Saúde o pagamento de mais R$ 1,2
bilhão do programa Bolsa Família.
Os deputados conseguiram retirar
este artigo antes de aprovar a MP,
em 22 de novembro, mas enquan-
to a 261 estava em vigor, o gover-
no pagou R$ 2 bilhões do Bolsa
Família com a verba da saúde. Para
reverter o desvio, será preciso
aprovar decreto transferindo o pa-
gamento para o Ministério do De-
senvolvimento Social, de forma re-
troativa, ou trocando a fonte para
o Fundo de Combate e Erradicação
da Pobreza, cujas despesas não po-
dem ser contabilizadas no piso da
saúde por decisão do Tribunal de
Contas da União.
Para o presidente da AMB, José
Luiz Gomes do Amaral, “o não
cumprimento do orçamento da saú-
de pela União é um exemplo dele-
tério que contamina as outras esfe-
ras de governo, fazendo com que o
SUS idealizado em 1988 continue
apenas um sonho e as tentativas de
lhe dar consistência material sejam
frustradas por essas manobras cíni-
cas”, criticou.
Aprovada em 2000, a vinculação
estabelecida pela EC 29 visa o fi-
nanciamento estável do Sistema
Único de Saúde (SUS). Sua regu-
lamentação, por meio do Projeto de
Lei Complementar 1/2003, tem
mobilizado a sociedade no sentido
de estabelecer bases legais para que
União, Estados e municípios cum-
pram o disposto na Emenda. Com
a regulamentação, o governo fede-
ral será obrigado a aplicar em saú-
de no mínimo 10% das receitas cor-
Mobilização em defesa do SUS, em Brasília
José Luiz Gomes do Amaral: “subtrair recursos do SUS é manobra cínica”
rentes brutas dos Orçamentos Fis-
cal e da Seguridade Social. No en-
tanto, o mais importante é a defini-
ção do que se deve ou não ser con-
siderado como ações e serviços pú-
blicos em saúde. Além disso, o PLP
institui mecanismos de utilização,
repasse e controle dos recursos,
como a prestação de contas quadri-
mestral. O Conselho Nacional de
Saúde estima um acréscimo entre
R$ 6 bilhões e R$ 10 bilhões no
orçamento do setor após a regula-
mentação.
O substitutivo do PLP 1/2003,
que incorpora o projeto original do
deputado Roberto Gouveia (PT-SP)
e os projetos apensados dos depu-
tados Geraldo Rezende (PPS-MS)
e Rafael Guerra, já foi aprovado por
três Comissões e está pronto para
votação em plenário na Câmara dos
Deputados, tramitando em regime
de urgência. Sua aprovação exige o
quórum qualificado (no mínimo
257 votos favoráveis). Vencida esta
etapa, o PLP seguirá para aprecia-
ção do Senado, onde também terá
de obter maioria absoluta. Vale lem-
brar que a EC 29 estabeleceu regras
até 2004, prevendo a regulamenta-
ção ao final desse período por Lei
Complementar, que deverá ser re-
vista a cada cinco anos. Sem a edi-
ção dessa Lei, permanecem válidos
os critérios estabelecidos na própria
Emenda.
Orçamento modesto
Mais de 880 milhões de proce-
dimentos, 12 milhões de inter-
nações e 140 milhões de doses de
vacina. Estes são alguns números
que expressam a magnitude do Sis-
tema Único de Saúde (SUS) em
2004, mas quantos dos 184 milhões
de brasileiros deixaram de ser aten-
didos? Quantas dessas intervenções
foram tardias? Quantos tiveram
acesso à prevenção ou a um diag-
nóstico precoce?
Para tentar equacionar tais ques-
tões é preciso analisar outros mi-
lhões: o financiamento da saúde no
Brasil. Luta histórica das entidades
médicas e de toda a sociedade or-
ganizada, a Emenda Constitucional
29, em vigor desde 2000, ainda não
conseguiu disciplinar os investi-
mentos do governo. Atualmente, os
Estados são obrigados a destinar no
mínimo 12% de seus recursos or-
çamentários para ações e serviços
públicos de saúde, e os municípios,
15%. Já a União deve investir o
montante aplicado no ano anterior
corrigido pela variação nominal do
Produto Interno Bruto (PIB), ou
seja, o crescimento real mais a in-
flação.
Entretanto, no ano passado,
quatro Estados admitiram não ter
alcançado este piso e outros dez
não deram satisfações ao Ministé-
rio da Saúde. Entre os municípios,
1.229 (22,1%) não informaram
seus gastos e 691 (12,4%) decla-
ram não ter cumprido a Emenda.
Segundo o Tribunal de Contas da
União, o governo federal aplicou
o limite mínimo. Para o deputado
Roberto Gouveia (PT-SP), autor do
boa parte dos governantes a pa-
gar programas assistencialistas,
obras de saneamento e aposenta-
doria dos servidores, por exemplo,
com a verba do setor. Em 2003, o
Conselho Nacional de Saúde
(CNS) buscou neutralizar tais
indefinições com a Resolução
322, mas esta não é aceita como
instrumento legal.
Com isso, o déficit de gastos re-
ais em saúde da União, acumulado
nos últimos cinco anos, chega a R$
2,3 bilhões, e o dos Estados a R$
5,3 bilhões de 2000 a 2003,
totalizando R$ 7,6 bilhões, segun-
do a Comissão de Financiamento e
Orçamento do CNS. Desde o iní-
cio de novembro, tramita na Câma-
ra dos Deputados a proposta de uma
Comissão Parlamentar de Inquéri-
to para investigar o cumprimento da
EC 29 em todos os níveis.
De acordo com o Sistema de In-
formações sobre Orçamentos Públi-
cos em Saúde (Siops), em 2003, a
União investiu R$ 27,1 bilhões em
saúde, os Estados R$ 12,2 bilhões
e os municípios R$ 14,2 bilhões,
somando R$ 53,5 bilhões, o que sig-
nifica R$ 303,17 por habitante e
3,45% do PIB. Sendo assim, o Bra-
sil perde para países como Bolívia,
Venezuela e África do Sul (5,12%),
Cuba (6,25%), Estados Unidos
(6,2%) e Portugal (8,1%).
Projeto de Lei Complementar que
regulamenta a EC 29, estes dados
apontam a fragilidade dos investi-
mentos.
“O que assistimos hoje é o piso
transformado em teto; dependen-
do da variação do dólar e da infla-
ção, aumenta a lista dos que dei-
xam de cumprir o mínimo exigi-
do”, constata.
O deputado Rafael Guerra
(PSDB-MG), presidente da Fren-
te Parlamentar da Saúde, aponta
que a União está transferindo suas
responsabilidades aos Estados e
municípios. Enquanto absorve
66% da receita arrecadada no
País, financia apenas 50% dos
gastos do SUS.
“A diretriz de municipalização
do gerenciamento do Sistema Úni-
co de Saúde está correta, mas não é
justo que os municípios arquem
com 25% das despesas se retêm
somente 13% da arrecadação”,
completa o presidente do Conselho
Nacional de Secretarias Municipais
de Saúde (Conasems), Sílvio
Fernandes da Silva.
Outra situação grave é a recor-
rente prática de gastar em áreas
distintas o dinheiro da saúde. A
Emenda Constitucional 29 permi-
te diferentes interpretações do que
são despesas com ações e servi-
ços públicos de saúde, levando
Investimentos em Saúde – União, Estados e Municípios
Ano
União
Estados
Municípios
Total
2000
20.351
6.313
7.404
34.064
2001
22.474
8.270
9.269
40.013
2002
24.737
10.309
11.759
46.805
2003
27.180
12.224
14.219
53.264
Fonte: SCTIE/DES. SIOPS. SPO/SE. FNS
Descumprimento da EC 29 – União e Estados – Em R$ bilhões
Estados
5.293
União
2.319
Total
7.612
Fonte: SIOPS/MS
Descumprimento da EC29 pela União – Em R$ bilhões
Ano Valor mínimo
Valor
Diferença Diferença
exigido pela EC29 empenhado
acumulada
2000
19.271
20.351
2001
23.013
22.474
539
2002
25.050
24.736
314
853
2003
28.128
27.180
947
1.800
2004
32.520
32.703
183
1.617
2005
37.180
36.478
702
2.319
Fonte: SIOPS/MS
Investimentos determinados pela EC29
União
Valor aplicado no ano anterior corrigido pela variação
nominal do PIB – Produto Interno Bruto
Estados
12% da receita de impostos estaduais
Municípios
15% da receita de impostos municipais
Fotos: Márcio Arruda