Em outubro de 2011, assumíamos a AMB. Veja trechos do discur-
so de posse, em que estava presente o ministro da Saúde:
“O Brasil temmais de 500 anos. A primeira representação car-
tográfica do nosso País data de 1502, feita por um autor português
desconhecido, mas que ficou conhecida como ‘Carta de Cantino’.
Cantino, o italiano que teria comprado esse mapa. No mapa, apa-
rece pela primeira vez bem definida a linha do Tratado de Tor-
desilhas, datado de 1494, que dividia o mundo entre Portugal de
D. João II e a Espanha de Fernando de Aragão e Isabel de Caste-
la. Algumas situações levam-nos a pensar que voltamos no tempo,
quando querem dividir os médicos do nosso país em grupos: dos
pobres e dos ricos... A medicina é tão nobre que mesmo na visão
dos mais ímprobos ou incendiários, isso não deveria acontecer. De-
vemos todos estar unidos, para que mais fácil alcancemos o bem
coletivo, o resultado final gratificante: o progresso da nossa medi-
cina e, consequentemente, cada vez mais o sucesso no tratamen-
to dos nossos queridos pacientes. O médico é da paz, ama seus
pacientes. Os incendiários, os guerreiros e os lobos buscam quei-
mar, matar e morder. Entretanto, como bem disse Neruda em suas
memórias: ‘...acho que não nasci para condenar, mas para amar’.
Seremos contumazes em buscar a boa formação médica, com
cursos que capacitem adequadamente, através de boas escolas. De
quantos médicos o Brasil precisa, de que áreas, com que perfil...
Precisamos de qualidade na formação, não de quantidade. Damos
liberdade a médicos formados fora exercerem a medicina no Brasil,
sim, mas queremos saber como foram formados e se têm a quali-
ficação para atender bem nossos pacientes. Existe o Revalida, que
tem sido muito bem avaliado por nós. Todavia, ainda existem fa-
culdades de medicina fazendo o caminho inverso, na contramão
do que seria resguardar a segurança da população. Fazer revalida-
ção automática de diplomas de médicos formados no exterior e
colocar em risco quem já sofre no dia a dia, os pobres, … nem eu,
nem os senhores, nem os políticos deste país procuraria esse pro-
fissional que não se submete aos preceitos de uma boa avaliação.
A pós-graduação também será por nós acompanhada. Se fa-
lamos de assistência à saúde da população, a residência médica é o
bom modelo vigente. Queremos uma residência cujo acesso prio-
rize o mérito, o conhecimento. Somos favoráveis e defendemos a
Estratégia Saúde da Família (ESF), que deve ser o principal e mais
importante acesso. Precisamos de médicos bem treinados na ESF,
capazes e preferencialmente com residência médica na especialidade.
Defendemos a formação correta, boas condições de trabalho e uma
Carreira de Estado para os locais de difícil acesso e provimento, para
que fixemos o médico nesses locais. O marco regulatório da Resi-
dência Médica é antigo, não precisamos de modismos ou vieses, es-
pecialmente quando se coloca em cheque priorizar o conhecimento.”
Parece escrito hoje, em que o Governo Federal tenta indu-
zir a população a acreditar que a culpa do caos instalado hoje
na saúde pública brasileira é a falta de médicos: engano, engo-
do. Esse mesmo governo, de forma autoritária e arbitrária, quer
mudar o curso médico de 6 para 8 anos, e por medida provisó-
ria (MP), que é um verdadeiro desrespeito a nossa Constituição.
Quer trazer médicos formados no exterior, sem Revalida, quer
acabar com a residência médica, dando bônus de 10% e 20% a
quem participa do desorganizado e improvisado Provab.
Quem patrocina todo esse descalabro como mentor dos des-
mandos e erros na saúde pública enquanto lança programas e pro-
jetos, sem adequado planejamento? Quem é o campeão no uso
dos “jatinhos da FAB”, alimenta diárias e não encara de frente os
principais problemas da saúde pública: subfinanciamento, má ges-
tão e corrupção? Quem faz comparações enviesadas com outros
países, manipula dados, números? Até agora não sabemos onde
foram parar os mais de R$ 17 bilhões do orçamento do Ministé-
rio da Saúde, que deixaram de ser utilizados em 2012. Como não
utilizar se faltam recursos? O povo precisa saber o que aconteceu.
É preciso que as autoridades entendam que nós médicos quere-
mos omelhor para a população, que a saúde pública funcione em to-
dos os níveis e para todos, que não faltem insumos, que os postos de
saúde, policlínicas e hospitais tenham a estrutura indispensável para
a boa prática, que nós possamos ter condições demantermo-nos atu-
alizados e com remuneração digna. Parece que queremmedir forças
conosco, especialmente ao vermos os vetos ao Projeto de Lei do Ato
Médico, que regulamentava a medicina. Esse projeto, que tramitou
por quase doze anos, foi aprovado por unanimidade na Câmara e no
Senado, e que nunca sofreu qualquer manifestação contrária peloGo-
verno, é agora descaracterizado. Ainda acreditamos nos nossos par-
lamentares para mudar esses desmandos, não somente em relação
ao ato médico como também quanto à fatídica MP “mais médicos”.
A AMB continua firme, altiva, forte e responsável na defesa
da saúde, dos médicos, sempre em parceria com federadas e So-
ciedades de Especialidade. Continuamos na vanguarda da dissemi-
nação do conhecimento, lançando o Projeto Univadis, em parceria
com BMJ learning, Jama, Springer, MSD. Lançamos o Censo Mé-
dico para que conheçamos detalhes da vida dos médicos, a fim de
desenharmos melhor o futuro. Junto com várias entidades de dife-
rentes segmentos da sociedade, levaremos ao Congresso Nacional
nos próximos dias quase 2 milhões de assinaturas, para que o Con-
gresso vote com agilidade o projeto de lei de iniciativa popular, co-
locando 10% da receita corrente bruta da união na saúde. Lutamos
por escolas médicas de qualidade e de acordo com as necessidades.
Vamos ouvir bem a voz das ruas, das manifestações pacíficas e
que verdadeiramente tenhamos um SUS universal e com equidade.
A saúde é nosso bemmaior e nossa população merece respeito.
Florentino Cardoso
Presidente da Associação Médica Brasileira
Florentino Cardoso
Desrespeito
à saúde
julho/agosto
2013 •
JAMB
•
3