B
ernardi
A
et
al
.
378
R
ev
A
ssoc
M
ed
B
ras
2015; 61(4):375-380
tamento com estatina sobre a sensibilidade à insulina são
conflitantes e geralmente são de pequeno tamanho.
30-34
Os
tratamentos com sinvastatina e rosuvastatina têmmostra-
do diminuição da sensibilidade à insulina, enquanto o tra-
tamento com pravastatina melhorou a sensibilidade à in-
sulina.
35,36
A redução da secreção de insulina por estatina
foi relatada em alguns estudos
in vitro
,
37
mas outros, nes-
se modelo, não demonstraram essa diminuição.
38
Os dados das grandes metanálises que avaliam o risco
de desenvolvimento de diabetes com estatinas, seja em com-
paração ao placebo,
14
seja comparando tratamentomais in-
tensivo commenos intensivo,
15
sugerem haver uma causa-
lidade nessa relação. Poucos seriam os vieses que poderiam
atuar como fator de confusão nessa análise. Uma sugestão
foi que o viés de sobrevivência explicaria as descobertas. Uma
outra justificativa seria os pacientes alocados emgrandes es-
tudos e com redução expressiva do seu LDL-c tornarem-se
complacentes, assumindo estilos de vida menos saudáveis,
ganhando peso e desenvolvendo diabetes. Dados do JUPI-
TERmostramque o pesomédio dos pacientes tratados com
rosuvastatina aumentou em0,3 kg em comparação aos que
receberamplacebo geral.
19
Apesar desse dado, um aumento
significativo no risco de desenvolver diabetes provavelmen-
te não poderia ser explicado por esse discreto ganho de peso.
Para avaliar se a relação entre estatinas e diabetes po-
deria estar correlacionada diretamente com a inibição da
HMG-CoAR, principal alvo terapêutico das estatinas, Swer-
dlow et al.
23
utilizaram o princípio da randomização men-
deliana e examinaram o efeito de dois polimorfismos de
nucleotídeo simples (SNP) no gene da HMG-CoAR sobre
o peso corporal e o risco de diabetes tipo 2. Os resultados
mostraram que, assim como o uso de estatinas em estudos
clínicos, as variantes da HMG-CoAR avaliadas associaram-
-se a peso corporal e risco de diabetes tipo 2 mais altos. Isso
implica, aomenos emparte, a inibição da HMG-CoAR como
fator causal dos efeitos metabólicos observados. Entretan-
to, embora o aumento do peso corporal possa determinar
uma piora da resistência insulínica e um aumento do risco
de diabetes tipo 2, a magnitude do ganho de peso observa-
do, tanto nos
trials
clínicos com estatinas como nos estu-
dos genéticos, parece insuficiente para justificar plenamen-
te o risco de diabetes. Por exemplo, o tratamento intensivo
com estatina não se associou a maior efeito sobre o peso
corporal do que as doses leves ou moderadas, apesar do
maior risco de diabetes associado ao tratamento intensivo.
Assim, é possível que também haja outros mecanismos en-
volvidos na diabetogenicidade das estatinas, incluindo a
modulação da HMG-CoAR em outros sítios, como o mús-
culo esquelético, além de efeitos
off-target
das estatinas. Por-
tanto, parece plausível que exista um ou mais mecanismos
moleculares específicos, embora outras possibilidades, como
mudanças na composição corporal, precisem ser conside-
radas. A possibilidade de vieses, principalmente em cená-
rios de estudos clínicos, deve ser considerada: pacientes em
uso de estatinas poderiam experimentar mais efeitos secun-
dários, levando-os a procurar atendimento médico com
maior chance de serem diagnosticados com diabetes.
39
Existem inúmeras lacunas que precisam ser respondi-
das além de qualquer mecanismo específico. Uma de parti-
cular importância são as complicações macro e microvascu-
lares do diabetes estatina-induzido. O aumento do risco de
complicações diabéticas foi descrito no estudo de Mansi et
al., que realizaramuma coorte retrospectiva entre indivíduos
usuários de operadora de saúde americana entre outubro
de 2003 e março de 2012. Foram selecionados 25.970 pa-
cientes identificados como adultos saudáveis (3.982 emuso
de estatina e 21.988 não usuários). Destes, 3.351 emuso de
estatinas e 3.351 não usuários foram pareados segundo 42
características basais, o que gerou um escore de propensão.
Usuários de estatina tiverammaiores chances de seremdiag-
nosticados com diabetes (OR 1,87; IC95% 1,67-2,01) e de
complicações diabéticas (OR 2,50; IC95% 1,88-3,32).
40
D
iabetogenicidade
das
estatinas
vs
.
redução
do
risco
cardiovascular
(T
abela
2)
A despeito do efeito diabetogênico, as estatinas persistem
como importante pilar terapêutico na redução do risco car-
diovascular. Segundo a evidência atual, nos indivíduos em
que existe a recomendação do uso das estatinas, em parti-
cular aqueles de moderado ou alto risco, o benefício cardio-
vascular supera o potencial risco de diabetes, mesmo emdo-
ses elevadas. Na metanálise de Preiss et al., observou-se um
caso adicional de diabetes a cada 498 pacientes tratados por
1 ano com terapia intensiva com estatina (
vs.
terapia mode-
rada), comparado com 1 paciente a menos apresentando
um evento cardiovascular a cada 155 pacientes tratados por
1 ano.
15
Esses dados sugerem ampla vantagemdo uso de es-
tatina em alta dose em pacientes de prevenção secundária.
Indivíduos de prevenção primária, analisados, por exem-
plo, pelo estudo JUPITER, também apresentarambenefício
cardiovascular significativamente maior do que riscos pelo
uso de estatina. Em análise restrita aos 486 participantes
que desenvolveramdiabetes durante o seguimento (270 no
grupo rosuvastatina
vs.
216 no grupo placebo), a redução
do risco cardiovascular associada ao uso de estatina foi de
37% (HR 0,63; IC95% 0,25-1,60), consistente com a observa-
da no estudo como um todo (HR 0,56; IC95% 0,46-0,69).
Em indivíduos diabéticos, o benefício das estatinas
também já foi demonstrado. Na metanálise do CTT, a re-
dução relativa de risco cardiovascular de aproximadamen-
te 20% a cada redução de LDL-c de 39 mg/dL foi consis-
tente entre indivíduos com ou sem
diabetes mellitus
tipo 2.