MEDICINA
CONSELHOFEDERAL
JAMB
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O presente artigo objetiva alertar os médi-
cos a respeito de dispositivo legal contido no Códi-
go Civil em vigor (Lei Federal nº 10.406, de 10
de janeiro de 2002), que regulamenta a questão
do tratamento imposto ao paciente. Em seu ar-
tigo 15 consta que “Ninguém pode ser constrangi-
do a submeter-se, com risco de vida, a tratamen-
to médico ou a intervenção cirúrgica”.
De acordo com a redação, pode-se também
interpretar que em todos os casos em que não
haja risco de vida o médico poderia constranger
o paciente ao tratamento decidido. Obviamente,
não foi essa a intenção do legislador – o que es-
taria em completo desacordo com a legislação
brasileira –, mas o modo como o artigo foi redigi-
do não ficou muito claro. O legislador pretendia
dizer que mesmo nos casos em que o paciente
apresente risco de vida não pode ser submetido
a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Para o correto entendimento, deve-se trocar a
palavra “com”, por “ainda que com”.
Isto posto, passemos à análise do conteúdo da
lei. É fato que a matéria regulamentada é con-
troversa, o que não a torna sem validade jurídica,
tanto que consta no Código Civil. O que se pode
discutir é o conflito que seu teor causa com as
demais normas vigentes no país. Pois, de acordo
com o transcrito, pode-se inferir que mesmo que
o paciente apresente risco de vida o médico não
pode intervir sem o seu expresso consentimento.
A matéria disciplinada é a impossibilidade de im-
posição de tratamento médico sem a anuência
do doente. À luz do Código Civil, a aquiescência
do paciente é obrigatória, qualquer que seja sua
condição clínica.
Ao se analisar o Código Penal a mesma
matéria também está regulamentada. Seu artigo
146 refere-se ao constrangimento ilegal, atitude
capitulada como crime contra a liberdade pes-
soal. O que significa que não se pode obrigar
ninguém a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa
senão em virtude de lei. Quem age de forma di-
versa comete o referido crime. A questão é que
o seu parágrafo 3º elenca as exceções, ou seja,
os casos nos quais é lícito constranger uma pes-
soa. Dentre elas, temos “a intervenção médica
ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente
ou de seu representante legal, se justificada por
iminente perigo de vida”. Assim, caso o médico
diagnostique quadro clínico em que a morte seja
real ameaça para o paciente, pode ocorrer a inter-
venção, não considerada como atitude criminosa.
E mais: não podemos deixar de referir que o
artigo 135 explicita ser crime a omissão de so-
corro. Tal atitude é caracterizada como deixar de
prestar assistência a qualquer pessoa em grave e
iminente perigo. Dessa forma, a obrigação jurídi-
ca de prestar socorro existe para todos os
cidadãos e, em particular, para o médico, que
vivencia com mais freqüência tal circunstância.
O Código de Ética Médica, por sua vez, em-
bora determine que o médico não pode realizar
qualquer procedimento sem a prévia autorização
do paciente, também faz a ressalva para os casos
em que há iminente perigo de vida, avalizando as
intervenções médicas em caráter de urgência.
Certamente, haverá ainda muita discussão a
respeito do teor do artigo 15 do Código Civil, es-
pecialmente quando confrontado com outras nor-
mas legais. Mas não se pode deixar de conhecê-
lo, visto que vigora. Vigorando, poderá ser invo-
cado caso algum paciente se sinta lesado em seus
direitos, gerando uma pretensão indenizatória.
Nesse contexto, o que se intenta é alertar o
médico para as mudanças sociais e jurídicas que
interferem no exercício de sua profissão. A norma-
tização do Código Civil demonstra, claramente,
a tendência à valorização da decisão do paciente,
fortalecendo o bioético Princípio da Autonomia.
Portanto, é prudente que o médico se torne côns-
cio das leis que interferem em sua atividade diária,
além de estabelecer uma adequada relação com
seus pacientes.
Julho/2007
Regulamentação civil da
autonomia do paciente
Krikor
Boyaciyan
professor do
Departamento
de Obstetrícia da
Unifesp-EPM,
conselheiro
diretor-
corregedor do
Cremesp e
presidente da
Sogesp
Mônica Lopes
Vasquez
professora
assistente do
Departamento
de Obstetrícia e
Ginecologia da
Santa Casa de
São Paulo e
membro da
Comissão de
Defesa
Profissional da
Sogesp
PENSAR E DIZER
George Segal (1924-2000)