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MEDICINA

CONSELHOFEDERAL

JAMB

24

O presente artigo objetiva alertar os médi-

cos a respeito de dispositivo legal contido no Códi-

go Civil em vigor (Lei Federal nº 10.406, de 10

de janeiro de 2002), que regulamenta a questão

do tratamento imposto ao paciente. Em seu ar-

tigo 15 consta que “Ninguém pode ser constrangi-

do a submeter-se, com risco de vida, a tratamen-

to médico ou a intervenção cirúrgica”.

De acordo com a redação, pode-se também

interpretar que em todos os casos em que não

haja risco de vida o médico poderia constranger

o paciente ao tratamento decidido. Obviamente,

não foi essa a intenção do legislador – o que es-

taria em completo desacordo com a legislação

brasileira –, mas o modo como o artigo foi redigi-

do não ficou muito claro. O legislador pretendia

dizer que mesmo nos casos em que o paciente

apresente risco de vida não pode ser submetido

a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Para o correto entendimento, deve-se trocar a

palavra “com”, por “ainda que com”.

Isto posto, passemos à análise do conteúdo da

lei. É fato que a matéria regulamentada é con-

troversa, o que não a torna sem validade jurídica,

tanto que consta no Código Civil. O que se pode

discutir é o conflito que seu teor causa com as

demais normas vigentes no país. Pois, de acordo

com o transcrito, pode-se inferir que mesmo que

o paciente apresente risco de vida o médico não

pode intervir sem o seu expresso consentimento.

A matéria disciplinada é a impossibilidade de im-

posição de tratamento médico sem a anuência

do doente. À luz do Código Civil, a aquiescência

do paciente é obrigatória, qualquer que seja sua

condição clínica.

Ao se analisar o Código Penal a mesma

matéria também está regulamentada. Seu artigo

146 refere-se ao constrangimento ilegal, atitude

capitulada como crime contra a liberdade pes-

soal. O que significa que não se pode obrigar

ninguém a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa

senão em virtude de lei. Quem age de forma di-

versa comete o referido crime. A questão é que

o seu parágrafo 3º elenca as exceções, ou seja,

os casos nos quais é lícito constranger uma pes-

soa. Dentre elas, temos “a intervenção médica

ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente

ou de seu representante legal, se justificada por

iminente perigo de vida”. Assim, caso o médico

diagnostique quadro clínico em que a morte seja

real ameaça para o paciente, pode ocorrer a inter-

venção, não considerada como atitude criminosa.

E mais: não podemos deixar de referir que o

artigo 135 explicita ser crime a omissão de so-

corro. Tal atitude é caracterizada como deixar de

prestar assistência a qualquer pessoa em grave e

iminente perigo. Dessa forma, a obrigação jurídi-

ca de prestar socorro existe para todos os

cidadãos e, em particular, para o médico, que

vivencia com mais freqüência tal circunstância.

O Código de Ética Médica, por sua vez, em-

bora determine que o médico não pode realizar

qualquer procedimento sem a prévia autorização

do paciente, também faz a ressalva para os casos

em que há iminente perigo de vida, avalizando as

intervenções médicas em caráter de urgência.

Certamente, haverá ainda muita discussão a

respeito do teor do artigo 15 do Código Civil, es-

pecialmente quando confrontado com outras nor-

mas legais. Mas não se pode deixar de conhecê-

lo, visto que vigora. Vigorando, poderá ser invo-

cado caso algum paciente se sinta lesado em seus

direitos, gerando uma pretensão indenizatória.

Nesse contexto, o que se intenta é alertar o

médico para as mudanças sociais e jurídicas que

interferem no exercício de sua profissão. A norma-

tização do Código Civil demonstra, claramente,

a tendência à valorização da decisão do paciente,

fortalecendo o bioético Princípio da Autonomia.

Portanto, é prudente que o médico se torne côns-

cio das leis que interferem em sua atividade diária,

além de estabelecer uma adequada relação com

seus pacientes.

Julho/2007

Regulamentação civil da

autonomia do paciente

Krikor

Boyaciyan

professor do

Departamento

de Obstetrícia da

Unifesp-EPM,

conselheiro

diretor-

corregedor do

Cremesp e

presidente da

Sogesp

Mônica Lopes

Vasquez

professora

assistente do

Departamento

de Obstetrícia e

Ginecologia da

Santa Casa de

São Paulo e

membro da

Comissão de

Defesa

Profissional da

Sogesp

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George Segal (1924-2000)