Previous Page  7 / 8 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 7 / 8 Next Page
Page Background

Jamb Cultura 2017; 16-17(46-47):329-336

335

Crônica

Empatia

2

o

lugar

V Concurso

Nacional

de Crônicas

e Contos

da AMB

T

rabalhei por doze anos em um hospital beneficen-

te em uma cidade do interior de São Paulo. Um

hospital de caridade, com muitas deficiências na

época, mas que cumpria bem seu papel.

Nesses doze anos, cruzei com inúmeras pessoas pe-

los corredores, e sempre procurei cumprimentar todos,

de forma educada, para assim também ser tratado. E as-

sim foi, com uma exceção. Havia um diretor, que não sei

o porquê, não conseguíamos nos cumprimentar. Antipa-

tia gratuita. Nunca tivemos qualquer tipo de problema,

apenas não simpatizávamos um com o outro. Por anos,

olhávamos para qualquer coisa para evitar o cumpri-

mento. Já passava muito do limite quando decidi tomar

a iniciativa e, na oportunidade seguinte, iria cumprimen-

tá-lo. Mas, antes disso, ele teve ummal súbito e foi inter-

nado na unidade de terapia intensiva em estado grave.

Como a morte poderia impedir a redenção? Sim, se

há algo que fatalmente impede a redenção, é a morte!

Orei por ele, como oro por meus amigos e meus filhos,

para que se salvasse, e eu pudesse reverter a situação.

Esperei alguns dias até que melhorasse, e isso aconte-

ceu, mas permaneceu na UTI. Imaginei que deveria vi-

sitá-lo e prestar solidariedade, mas se eu que nunca fui

seu afeto aparecesse por lá, provavelmente ele teria um

novo infarto. Repensei.

Alguns dias mais conseguiu sair da terapia intensiva

e foi direto para casa sob alta, e não mais voltaria ao tra-

balho. Aposentou-se.

E agora? Como faria? O comodismo me fez pensar de

maneira egoísta e deixar as coisas como estavam.

Passado um tempo, meu pai viria a falecer. Sofri mui-

to. Queria para ele uma missa de sétimo dia digna. Ar-

rumamos uma igreja, um quarteto de cordas para algu-

mas músicas que nos fizessem refletir, mas não havia

um padre sequer que pudesse celebrar a missa. Exceto

um, que acabara de ser ordenado, estranhamente idoso,

segundo nos informou a freira da paróquia, e que fazia

questão de celebrar a missa para meu pai. Talvez fosse

sua primeira missa.

Minha dor, ainda muito viva e não trabalhada, me

deixou mais inseguro com essa situação. Aceitei por

falta de opção.

No horário da missa, estavam ali os músicos, paren-

tes e alguns amigos. A igreja, grande, dispunha de mui-

tos lugares e nós éramos poucos.

Surgiu o tal padre e, para minha surpresa, ninguém

menos que o diretor do hospital. Não houve necessida-

de de palavras ou desculpas de ambas as partes. Ape-

nas nos abraçamos.

Ele, compreensivo comminha dor, e eu, perplexo com

sua grandeza.

Pessoas que passavam pela rua lotaram a igreja pela

beleza das músicas que emanavam dos instrumentos, e

encantavam-se com a oratória tranquila e gentil do pa-

dre experiente que ali estava.

José Chacra Jr.

Jundiaí – SP