Jamb Cultura 2017; 16-17(46-47):329-336
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Crônica
Empatia
2
o
lugar
V Concurso
Nacional
de Crônicas
e Contos
da AMB
T
rabalhei por doze anos em um hospital beneficen-
te em uma cidade do interior de São Paulo. Um
hospital de caridade, com muitas deficiências na
época, mas que cumpria bem seu papel.
Nesses doze anos, cruzei com inúmeras pessoas pe-
los corredores, e sempre procurei cumprimentar todos,
de forma educada, para assim também ser tratado. E as-
sim foi, com uma exceção. Havia um diretor, que não sei
o porquê, não conseguíamos nos cumprimentar. Antipa-
tia gratuita. Nunca tivemos qualquer tipo de problema,
apenas não simpatizávamos um com o outro. Por anos,
olhávamos para qualquer coisa para evitar o cumpri-
mento. Já passava muito do limite quando decidi tomar
a iniciativa e, na oportunidade seguinte, iria cumprimen-
tá-lo. Mas, antes disso, ele teve ummal súbito e foi inter-
nado na unidade de terapia intensiva em estado grave.
Como a morte poderia impedir a redenção? Sim, se
há algo que fatalmente impede a redenção, é a morte!
Orei por ele, como oro por meus amigos e meus filhos,
para que se salvasse, e eu pudesse reverter a situação.
Esperei alguns dias até que melhorasse, e isso aconte-
ceu, mas permaneceu na UTI. Imaginei que deveria vi-
sitá-lo e prestar solidariedade, mas se eu que nunca fui
seu afeto aparecesse por lá, provavelmente ele teria um
novo infarto. Repensei.
Alguns dias mais conseguiu sair da terapia intensiva
e foi direto para casa sob alta, e não mais voltaria ao tra-
balho. Aposentou-se.
E agora? Como faria? O comodismo me fez pensar de
maneira egoísta e deixar as coisas como estavam.
Passado um tempo, meu pai viria a falecer. Sofri mui-
to. Queria para ele uma missa de sétimo dia digna. Ar-
rumamos uma igreja, um quarteto de cordas para algu-
mas músicas que nos fizessem refletir, mas não havia
um padre sequer que pudesse celebrar a missa. Exceto
um, que acabara de ser ordenado, estranhamente idoso,
segundo nos informou a freira da paróquia, e que fazia
questão de celebrar a missa para meu pai. Talvez fosse
sua primeira missa.
Minha dor, ainda muito viva e não trabalhada, me
deixou mais inseguro com essa situação. Aceitei por
falta de opção.
No horário da missa, estavam ali os músicos, paren-
tes e alguns amigos. A igreja, grande, dispunha de mui-
tos lugares e nós éramos poucos.
Surgiu o tal padre e, para minha surpresa, ninguém
menos que o diretor do hospital. Não houve necessida-
de de palavras ou desculpas de ambas as partes. Ape-
nas nos abraçamos.
Ele, compreensivo comminha dor, e eu, perplexo com
sua grandeza.
Pessoas que passavam pela rua lotaram a igreja pela
beleza das músicas que emanavam dos instrumentos, e
encantavam-se com a oratória tranquila e gentil do pa-
dre experiente que ali estava.
José Chacra Jr.
Jundiaí – SP