Jamb Cultura 2017; 14-15(44-45):321-328
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Conto
Eu a vi
À
s vezes, já completamente absorto em seus pen-
samentos, num estado quase onírico, ele se per-
guntava se aquele belo ser que acreditava ter
visto outro dia poderia ser de fato real ou fruto de mais
um de seus loucos sonhos; de qual estrela teria ela caí-
do? Ou seria ela a própria estrela?
Certa noite fria, arrebatado por aquela visão que o
atormentava, imaginou ser ele um dos Reis Magos e que,
realmente, vira uma linda estrela cadente no firmamento.
Guiado por forte emoção, pôs-se a caminhar apressada-
mente ao seu encontro, na longa e escura noite adentro.
Imaginou estar com ela, mas... dizer-lhe exatamente o
quê? Que ele estaria por ela encantado? Que gostaria que
dele fosse ela sua propriedade eterna? E se não tivesse
a coragem de dizê-lo, o seu olhar seria capaz o suficien-
te de transmitir-lhe a intensidade e forma de tudo o que
sentia por ela? Ela o entenderia? Queria tocá-la com suas
próprias mãos, acariciar densa e suavemente seu rosto
por um breve momento apenas, somente para materia-
lizá-la dentro de si para sempre. Ela o rejeitaria? Enfim,
o que fazer se ela nem sequer o conhecia?! Por um ins-
tante, ficou aflito e inseguro. Confuso, perdeu a voz. Seus
olhos marejaram.
Acordou transpirando frio, mas o corpo ardia como
brasa. Com o coração palpitando a mil, faltou-lhe o ar,
fugiu-lhe a luz. Imaginou ter chegado o seu fim. Não!
Era mais um daqueles sonhos, enfim. Aliviado, sob páli-
dos traços de lucidez, vagamente sorrindo para si mes-
mo, deu-se conta de que uma imagem tão real ou ima-
ginária daquela mulher tão bela não era para ser posse
sua jamais, mas para ser contemplada e sentida infinita-
mente, como quem respira o ar para continuar vivo, pois
ela não só pertencia à beleza radiante do mundo como
ela mesma era a própria o ponto alto de sua criação; o
mundo se expressara e se completava através daquele
ser tão lindo e puro... Assim, amá-la-ia dessa forma, re-
signou-se ele, pois se a aprisionasse em seu coração, na
sua mente, como incontáveis vezes assim o desejou ar-
dentemente para toda a eternidade, pensou ele, ela per-
deria o viço; o mundo, cor e graça.
Ele, também, por fim, definharia.
Então, compreendendo a grandeza e a razão da exis-
tência daquela bela criatura, indelevelmente marcado por
ela, ambos finalmente livres e ele, agora em paz, tomado
por um imenso e transbordante contentamento daque-
le tipo impossível de ser humanamente contido, disse
bem alto e confiante para si e para todo o universo ouvir:
“Acreditem todos, eu a vi e a amei! Não foi um sonho!”.
Paulo Roberto Campbell Rebelo
Cardiologia
Macapá – AP