Previous Page  7 / 8 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 7 / 8 Next Page
Page Background

Jamb Cultura 2017; 14-15(44-45):321-328

327

Conto

Eu a vi

À

s vezes, já completamente absorto em seus pen-

samentos, num estado quase onírico, ele se per-

guntava se aquele belo ser que acreditava ter

visto outro dia poderia ser de fato real ou fruto de mais

um de seus loucos sonhos; de qual estrela teria ela caí-

do? Ou seria ela a própria estrela?

Certa noite fria, arrebatado por aquela visão que o

atormentava, imaginou ser ele um dos Reis Magos e que,

realmente, vira uma linda estrela cadente no firmamento.

Guiado por forte emoção, pôs-se a caminhar apressada-

mente ao seu encontro, na longa e escura noite adentro.

Imaginou estar com ela, mas... dizer-lhe exatamente o

quê? Que ele estaria por ela encantado? Que gostaria que

dele fosse ela sua propriedade eterna? E se não tivesse

a coragem de dizê-lo, o seu olhar seria capaz o suficien-

te de transmitir-lhe a intensidade e forma de tudo o que

sentia por ela? Ela o entenderia? Queria tocá-la com suas

próprias mãos, acariciar densa e suavemente seu rosto

por um breve momento apenas, somente para materia-

lizá-la dentro de si para sempre. Ela o rejeitaria? Enfim,

o que fazer se ela nem sequer o conhecia?! Por um ins-

tante, ficou aflito e inseguro. Confuso, perdeu a voz. Seus

olhos marejaram.

Acordou transpirando frio, mas o corpo ardia como

brasa. Com o coração palpitando a mil, faltou-lhe o ar,

fugiu-lhe a luz. Imaginou ter chegado o seu fim. Não!

Era mais um daqueles sonhos, enfim. Aliviado, sob páli-

dos traços de lucidez, vagamente sorrindo para si mes-

mo, deu-se conta de que uma imagem tão real ou ima-

ginária daquela mulher tão bela não era para ser posse

sua jamais, mas para ser contemplada e sentida infinita-

mente, como quem respira o ar para continuar vivo, pois

ela não só pertencia à beleza radiante do mundo como

ela mesma era a própria o ponto alto de sua criação; o

mundo se expressara e se completava através daquele

ser tão lindo e puro... Assim, amá-la-ia dessa forma, re-

signou-se ele, pois se a aprisionasse em seu coração, na

sua mente, como incontáveis vezes assim o desejou ar-

dentemente para toda a eternidade, pensou ele, ela per-

deria o viço; o mundo, cor e graça.

Ele, também, por fim, definharia.

Então, compreendendo a grandeza e a razão da exis-

tência daquela bela criatura, indelevelmente marcado por

ela, ambos finalmente livres e ele, agora em paz, tomado

por um imenso e transbordante contentamento daque-

le tipo impossível de ser humanamente contido, disse

bem alto e confiante para si e para todo o universo ouvir:

“Acreditem todos, eu a vi e a amei! Não foi um sonho!”.

Paulo Roberto Campbell Rebelo

Cardiologia

Macapá – AP