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Jamb Cultura 2017; 12(42):305-312

Irmãos de Guerra

N

o início eram apenas companheiros. Todos jovens,

acabando a adolescência.

Alguns foram imbuídos de idealismo, outros, de

patriotismo, e a maioria, involuntariamente, dragada.

Esperança, sonhos, ansiedade, solidão, saudades, medo, he-

roísmo, reconhecimento, alegria por uma possível honrosa

volta, pavor de um próximo adeus... eram, entre tantos senti-

mentos, os mais pungentes.

A maioria, crianças inexperientes, contracenando ao vivo

no teatro belicoso de operações. A ordem: matar ou morrer!

Longe de seus familiares e amigos... pátria e idioma... co-

meçavam a travar conjuntamente uma das mais hediondas

experiências pela qual um ser pode passar – a Guerra. Ho-

mens contra homens... semelhantes contra semelhantes... ir-

mãos matando irmãos!

O cenário real não pode ser delineado com as maiores e

melhores técnicas da cinematografia moderna. Estrondos,

motores, rajadas, relâmpagos balísticos, crateras gigantes re-

cém-criadas no solo pelas armas, poeira ao redor, pedaços de

corpos voando integralmente estraçalhados. Chuva do céu,

chuva de sangue. Clima seco – aridez dos corações. Verde das

florestas almejando a esperança de um término quase irreal

que parece não mais voltar.

Entremortos e feridos, gementes e aflitos, a lição do convívio

e da solidariedade é a única que se aprende. Tão esquecida e tão

primitiva no homem,passa a figurar entre uma dasmais belas li-

ções de amor. Umpor todos e todos por um! Braços que se entre-

laçame se cruzam tanto nos gatilhos quanto nas padiolas, com-

batendo o inimigo e recolhendo os corpos inertes e deformados

dos ex-amigos.Ontemumsaldo positivo;hoje,umnegativo.Ama-

nhã,não se sabe – só Deus!

Cada dia uma eternidade angustiantemente interminável e

vivida emprontidão ininterrupta segundo por segundo.

Quando se parecia chegar ao derradeiro dia, uma notícia ca-

muflava-se numamiragem: a Guerra terminou! AGuerra termi-

nou?AGuerra terminou!!! Subitamenteuma euforia incontrolável

e inefável pela vida que não foi tirada.Vontade de partir...ansieda-

de por chegar,receber e dar notícias...esperança de umanova vida.

Instantaneamente um profundo pesar e a melancolia pai-

ravam. Faltava alguma coisa. Faltavammuitas pessoas. Falta-

vam inúmeros irmãos. Aqueles companheiros de viagem torna-

ram-se mais do que irmãos de sangue, eram irmãos de guerra.

Corpos inteiros de um só ser, pedaços de ummesmo corpo fo-

ram enterrados. Muitos, nem o nome era conhecido; outros,

só se conhecia o nome. Todos, soberanamente acolhidos sob

uma modesta cruz. Um só sentimento interrogava contagian-

do: Como poderemos partir se grande parte do nosso ser está

soterrado neste nefando teatro de operações!? Por que nós

fomos contemplados em voltar!? Por que não sucumbimos!?

Quantos sonhos, ideais, alegrias e esperanças desaparecidos!

O regresso, uma epopeia. O reencontro com os parentes

e a pátria indescritível. A alegria era incompleta, porque se

deixava parte da família noutro continente próximo a Deus.

Os anos se passavame os reencontros comos restantes eram

efusivamente vividos.Cada umtinhamil estórias para contar,sal-

picadas demomentos jocosos e tristes,anos após anos convividos.

Por fim, a inimiga doença e a amiga morte sempre che-

gariam a um dos sobreviventes: ora sorrateiras, ora abruptas.

O sentimento era o mesmo. Parte do mesmo corpo se ia.

Não era tão somente um irmão de sangue. Era o nosso mes-

mo irmão de guerra. Com ele, experiências ainda lúcidas eram

vivas memórias que poucos podem compreender e comparti-

lhar. Entre renovados soluços e lágrimas, mais um pedaço do

mesmo ser se vai: agora, não mais pela guerra, mas pela vida.

Sonhos, ideais, alegrias e tristezas; acima de tudo, apren-

dizado do mais sublime significado da palavra Amor, absor-

vido a duras penas no mais inóspito lugar.

Ontem, uma avalanche de jovens cheios de

vida. Hoje, pouquíssimos ainda não vencidos

pela morte. Para todo sempre: os heróis praci-

nhas da Força Expedicionária Brasileira!

Helio Begliomini

Urologia

São Paulo – SP

Entre mortos e feridos,

gementes e aflitos, a lição do

convívio e da solidariedade é a

única que se aprende